Incensada após as manifestações de junho, Marina mantém-se viável para 2014, desde que consiga regularizar a Rede Sustentabilidade
Paulo de Tarso Lyra
Grande surpresa na reta final das eleições presidenciais de 2010, quando deu um salto na semana decisiva e conseguiu quase 20 milhões de votos, Marina Silva volta a surpreender os analistas políticos ao ser a única que aumentou a intenção de voto nos levantamentos realizados após os protestos que sacudiram o país em junho. Antes de os jovens lançarem o grito “Vem para rua”, Marina era vista como uma candidata que tinha boa parte dos votos de 2010 herdados de um sentimento anti-PT e anti-PSDB e cujo partido, a Rede Sustentabilidade, seria sepultado com a aprovação de um mero projeto de lei no Congresso impedindo que as novas legendas conseguissem o tempo de televisão e o fundo partidário dos parlamentares recém-filiados.
Agosto de 2013 e tudo mudou. Até para o governo. “Marina é uma candidata consistente. Ela teve 20 milhões de votos, não tem partido, não tem cargo público e, ainda assim, tem 26% de intenções de voto. É perfeitamente possível que ela esteja no segundo turno nas eleições do ano que vem”, declarou um interlocutor governista.
Para isso, precisa, antes, viabilizar o próprio partido. Marina visitou dois gabinetes nesta semana. O primeiro foi o da presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia. E, na última sexta-feira, o da corregedora nacional eleitoral, Laurita Vaz. A ex-senadora pede agilidade na validação das assinaturas para que o pedido de criação da Rede seja protocolado no TSE. Até o momento, outras três legendas pleiteiam o mesmo objetivo: o Partido Liberal Brasileiro (que teve a tramitação sustada pelo TSE); o Partido Republicano da Ordem Social; e o Partido Solidariedade. Os dois últimos mantêm a esperança de êxito.
Mas o que Marina tem a oferecer aos seus eleitores? “A gente não sabe exatamente o que ela pode apresentar. Mas é inegável que ela carrega, ainda, um capital ético que tinha na época do PT e que os próprios petistas perderam nos últimos anos”, afirmou o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. Marina, que na opinião de seus próprios aliados é tão centralizadora como Dilma Rousseff, mas que ainda mantém a capacidade de ouvir e arrematar raciocínios como Lula, quase desistiu da política para dedicar-se às aulas de história e às consultorias ambientais. “O cenário político a trouxe de volta para o debate”, confirmou o deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP).
Entrevista / MARINA SILVA
Sem pensar em outro partido
A ex-senadora e principal expoente da Rede Sustentabilidade, Marina Silva, recebeu o Correio no fim da tarde de sexta-feira. Na conversa de quase meia hora, afirmou que os protestos de junho não podem ser resolvidos em uma mera pauta de reivindicações e sim, na construção de uma agenda de mudanças a longo prazo para o país, mantendo os pilares da atual política econômica. Ela garante que não pensa em se filiar a outro partido caso a Rede não se viabilize. Acredita ainda que a nova legenda está em condições de chegar ao poder. “Ninguém consegue 20 milhões de votos saindo pela primeira vez candidata (a presidente, em 2010) se não tiver um lastro da sociedade calçando esse processo.” (PTL)
Se a Rede não se viabilizar até 5 de outubro, o caminho natural será filiar-se a outra legenda?
Não trabalho com essa possibilidade. Estamos focados na viabilização da Rede Sustentabilidade. Entregamos tudo em tempo hábil. Não é justo que tenhamos feito um esforço deste e ele ser prejudicado em função das dificuldades que a Justiça Eleitoral está enfrentando.
Como estão as conversas com os aliados e os parlamentares que desejam vir para o partido?
Temos um processo de conversa aberta com as pessoas que têm identidade programática conosco. Mas não há de nossa parte uma ansiedade tóxica de inchar o partido a qualquer custo e a qualquer preço.
Surpreendeu o resultado das últimas pesquisas de intenção de voto?
As pesquisas são um momento em que os institutos são capazes de registrar. E devem ser vistas assim, não como algo definitivo. Os eleitores vão modulando suas posições de acordo com o debate, a dinâmica do processo político, que, infelizmente, foi antecipado.
Mas junho zerou esse processo eleitoral. O que muda daqui para a frente?
É preciso ter a humildade de compreender que existe algo muito grande e profundo acontecendo na realidade política do Brasil. E não a ansiedade de querer capitalizar, de querer se apropriar. O tamanho de tudo o que aconteceu, a magnitude, a quantidade de bandeiras, não se resolve como pauta de reivindicação. Tem o potencial de mudar a nação.
Esse movimento de junho era esperado? É algo que veio para ficar? Ou foi um fato isolado?
Não é um movimento que acontece só no Brasil. É no mundo inteiro. Há uma grande quantidade de pessoas que não estão satisfeitas com a qualidade da representação política. É um movimento que veio para ficar.
Mas as manifestações refluíram.
O fato de não estarem mais nas ruas não significa que as pessoas não estejam com as mesmas expectativas, não continuem com as mesmas decepções com a representação política, com a qualidade dos serviços. Pelo contrário. É o surgimento de um novo sujeito político, que exige uma nova visão, novos processos e novas estruturas. Não é algo que a gente possa ter respostas rápidas, apressadas. Quando a história está acontecendo, os que vivem a história jamais terão as certezas porque algo ainda não se completou.
Quais os demais pontos da agenda que a Rede propõe para contrapor-se ao que está aí, além da ampliação do debate ambiental?
Em 2010, lançamos a nossa plataforma “pelo Brasil que queremos”. Nós continuamos aprofundando o debate porque achamos que política não se faz só no momento das eleições. As pessoas se enganam quando pensam que uma trajetória ligada a meio ambiente e sustentabilidade não está ligada a como vamos tratar a questão da infraestrutura, da educação, saúde, saneamento, mobilidade.
Como tratar essas outras questões?
Do ponto de vista econômico, manter os pilares como a questão do superavit primário, da autonomia do Banco Central, do câmbio flutuante, todos os esforços para o controle da inflação. Isso é um debate que é feito no âmbito da sustentabilidade. Energia limpa é uma agenda para as próximas décadas. Fazer com que nossa agricultura continue próspera, responsável pelo bom resultado de nossa balança comercial, por aumento de produtividade e não pela expansão predatória, é agenda estratégica. Investir em educação, tecnologia, inovação, para que o Brasil transforme as vantagens comparativas em vantagens competitivas.
Os próprios petistas admitem que o PT se tornou pragmático ao chegar ao poder. Como chegar ao poder, montar base de apoio, escolher um vice e ficar imune ao que está aí?
As pessoas confundem a necessidade da eficiência, da ação, de resposta necessária dos governos com o pragmatismo fisiológico. E esse pragmatismo fisiológico não está resolvendo. O que devemos ter é uma agenda pactuada com a sociedade. E precisamos acabar com a reeleição no Brasil.
Mandato de quatro anos? Ou mais tempo?
O ideal é que leve para cinco anos, sem a reeleição. Com certeza criaria uma disposição maior para viabilizar uma agenda de país, não apenas uma agenda de governo, do partido que está de plantão.
Além das ruas, quais são os atores que a Rede imagina como mais propícios para essa mudança na sociedade? A senhora dialoga com muitos personagens: o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é um deles.
Com o Eduardo Campos eu tive uma conversa durante a tramitação do projeto (que tentava impedir a criação da Rede). Quando estive no estado do governador, fiz uma visita de cortesia para, inclusive, agradecer o esforço do PSB. Como temos eleições em dois turnos, cada um tem direito de colocar suas candidaturas. No primeiro turno, é melhor que tenhamos uma maior quantidade de opções. É o momento de se lançar as sementes.
Em 2010, durante o segundo turno, a senhora ficou neutra, não declarou voto em Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB).
Nós apresentamos uma agenda. Ela foi avaliada pela presidente Dilma Rousseff e pelo governador José Serra. A presidente inclusive assinou os compromissos. Um deles é que vetaria qualquer projeto que significasse anistia para o desmatador, coisa que infelizmente não cumpriu. O Serra não assinou, mandou o presidente do PSDB (deputado Sérgio Guerra) assinar por ele. Como os eleitores são livres, eles fizeram suas escolhas.
Voto se transfere?
Se você disser que transfere o voto, você está dizendo que é o dono do eleitor. Os eleitores são convencidos. É possível uma liderança política contribuir com o convencimento em um debate? É claro que sim. É isso que acontece.
Uma das críticas à campanha de 2010 é que foi pouco propositiva. Hoje, há espaço para mudar isso?
Nós fizemos o debate. Não fizemos satanizações udenistas em relação a qualquer denúncia de corrupção. Não fico feliz com o que aconteceu no mensalão, não fico feliz com o que está acontecendo em São Paulo (denúncia de formação de cartel nas licitações do metrô). O Fernando Henrique dizia que o PT e o PSDB ficam se engalfinhando para saber quem vai liderar o atraso. Será que não é a hora de a gente assumir posição e começar a liderar os avanços?
A Rede está madura para ser governo?
A Rede não é um processo que começa agora. Ninguém consegue 20 milhões de votos saindo pela primeira vez candidata se não tiver um lastro da sociedade calçando esse processo. A Rede faz parte da luta de quase 30 anos de um grupo da sociedade que apostou na ideia do desenvolvimento sustentável em sua dimensão ambiental, política, econômica, cultural e social. E esse amadurecimento é altamente compatível com o anseio de mudança que está colocado na sociedade.
"O fato de não estarem mais nas ruas não significa que as pessoas não estejam com as mesmas expectativas, não continuem com as mesmas decepções com a representação política"
"Estamos focados na viabilização da Rede Sustentabilidade. Entregamos tudo em tempo hábil"
Fonte: Correio Braziliense
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