Por motivos ignorados, o governo, ou sua chefe, interferiu ostensivamente no setor elétrico ao antecipar a renovação das concessões e impor a redução das contas de luz; deixou para o futuro prover os meios para a solvência da medida simpática. Agora parece ter chegado a hora das dificuldades aparecerem em sua real expressão; alguns alvitres sugeridos foram afastados e o problema continuou insoluto. Até quando não se sabe. O caso revela o que tem sido dito. O governo tem gasto e muito. Mas de maneira inadequada, deixando de lado setores fundamentais. Baseando sua concepção de política econômica no aumento do consumo, desprezou investimentos ditos de base ou de infraestrutura, e só agora, segundo divulgado, teria se convencido da necessidade de rever seu traçado teórico; ora, os seus efeitos dessa revisão, quando efetivada, não se colhem no dia seguinte; enquanto isso, o termo de quadriênio se aproxima, a reeleição tem data certa e os resultados podem ser tardios. Esse raciocínio parece explicar sinais de desconforto supostamente experimentado pela chefe de governo aferrada à modesta queda da taxa inflacionária; longe de mim contraditá-la, mas me permito notar que enquanto a presidente dá ao fato caráter de permanência, seu ministro da Fazenda ao mesmo tempo alude à tendência de aumento da inflação no segundo semestre do ano em curso. E esta foi, em editorial, observada sensatamente que seria irresponsabilidade negar a existência de pressões inflacionárias...
Mudo de assunto. Semana passada, participei do lançamento de mais um livro, e era o terceiro em período que não fora longo. Dei-me então conta de que os autores eram altas expressões da medicina, ao mesmo tempo que frequentavam as boas letras. Pela ordem dos lançamentos, são eles: o Dr. Nei Mário Amaral, autor de Desesperadamente Vivo, elegante edição da "Buqui", o Dr. Fernando Lucchese, Não Sou Feliz, Por Quê?, e cuja copiosa produção é editada pela L&PM, e o Dr. James Freitas Fleck, o último a ingressar nas cidades das letras, com o volume Conexão Anticâncer, as múltiplas faces do inimigo interno, em bela edição da Movimento.
Desnecessário dizer que todos os três volumes têm traços mais ou menos acentuados com as atividades profissionais dos autores. Na roda de médicos a que cheguei, ocorreu-me lembrar que parece que os médicos voltaram a ser escritores, pois se vários fundadores da Academia de Letras eram médicos ilustres e ao longo do primeiro centenário a prática se repetiu, o mesmo ocorreu no Rio Grande do Sul; no jornalismo, Fábio de Barros e Raul Pilla, ambos professores de Medicina, Fábio de Barros, sob o pseudônimo de Vitoriano Serra, durante anos exerceu o jornalismo, dominava as letras antigas, gregas e latinas e a literatura ocidental, predominantemente francesa e alemã; Raul Pilla, durante decênios, escreveu na imprensa no Rio Grande, São Paulo e Rio de Janeiro artigos preferencialmente de natureza política, pois durante toda sua vida também exerceu atividade política, sendo parlamentar e dirigente partidário; sua linguagem tinha a correção, nobreza e limpidez, assim como invejável poder de síntese que o caracterizava. Outro consumado mestre da pena foi Olintho de Oliveira, como crítico de arte, Ramiro Barcelos, o autor da insuperável sátira Antônio Chimango, mais adiante Cyro Martins e Dyonélio Machado, médicos e autores consagrados; e pedindo perdão pelas omissões e para encerrar com um contemporâneo, o Dr. José A. Camargo, notabilidade cirúrgica nacional e internacional e que semana por semana escreve admiráveis crônicas em sua simplicidade e humanidade. Teria muito a dizer, mas o tempo acabou, quer dizer, o tempo não, o papel.
*Jurista, ministro aposentado do STF
Fonte: Zero Hora (RS)
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