Um tsunami de cidadania, indignação e participação explodiu nas ruas em junho e julho. De forma inesperada e imprevisível, surpreendeu lideranças políticas e sociais, intelectuais e analistas. O esforço para a compreensão do impressionante e inovador fenômeno ainda vai consumir rios de tinta em artigos, entrevistas e estudos. Algumas coisas importantes foram escritas por FHC, Fernando Gabeira, Luiz Werneck Vianna, André Lara Resende, entre outros. Uma das questões mais interessantes, mas não propriamente nova, é a recolocação no Brasil, em novo patamar, das discussões sobre as relações entre Estado e sociedade e as dimensões de representação e participação direta na democracia.
Instituições, partidos políticos e lideranças reagiram, num primeiro momento, de forma atabalhoada, acuados e traumatizados. Algumas mudanças foram introduzidas, alguns avanços conquistados. Mas o mais importante foi a verdadeira chacoalhada na realidade, dominada, até então, por uma impressão de que tudo ia bem no país e de que a hegemonia petista, cada vez mais pragmática e sem conteúdo transformador, sustentada no mais puro patrimonialismo e fisiologismo, teria vida longa.
Da sua parte, os movimentos de rua apresentaram no “day after” uma natural dificuldade de fixação de agendas e de representação para a construção do diálogo com governantes e instituições.
Não houve um único movimento, como foram o das Diretas Já e o pelo afastamento de Collor. Foram múltiplos movimentos, expressando angústias e expectativas diversas, multifacetados, sem agenda ou dinâmica únicas, espontâneos em seu início. Cidadãos independentes, jovens sem vinculações, famílias inteiras se misturaram a skinheads, anarco-punks, black blocks, militantes “clandestinos” de diversos partidos rechaçados em suas tentativas de participação aberta. Sem palanque, sem palavras de ordem unificadas, sem objetivo estratégico claro, sem um caminho previamente imaginado para a conquista de utopias perseguidas ou de plataformas políticas consensuais.
Além disso, é preciso não absolutizar o sentido e o significado do movimento, glamourizar todas as suas faces e permanecer perplexo e acuado quando valores essenciais para a democracia são agredidos. Vale lembrar que democracia é expressão da maioria, e que uma minoria ruidosa não pode impor sua lógica à maioria por vezes silenciosa. A violência defendida como instrumento legítimo por alguns segmentos, por exemplo, não obteria sequer 1% de apoio em eleições livres e democráticas.
Diante de um fenômeno novo que abalou profundamente o “status quo”, a precipitação de intervenções eivadas de populismo, demagogia e oportunismo é escolha equivocada, como suposta “resposta às ruas”. A democracia e a economia brasileira amadureceram muito nas últimas décadas e é preciso firmeza e solidez para defender o patrimônio coletivo conquistado. Evidentemente com as necessárias e inevitáveis correções de rumo.
Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas
Fonte: O Tempo (MG)
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