O Senado deve aprovar hoje um mal embrulhado pacote de mudanças nas regras eleitorais, à guisa de justificativa para a recusa do Congresso em realizar plebiscito ou referendo, ou mesmo a aprovar, sem consulta popular, uma reforma política que respondesse às insatisfações dos cidadãos eleitores com o sistema e a crise de legitimidade da representação popular. Com algum atraso, a sociedade civil, que agora deixou as ruas aterrorizada pelos radicais violentos, começa a levantar a bandeira da reforma política, convergindo apoios para o projeto do Movimento Eleições Limpas, elaborado sob a coordenação do juiz Márlon Reis, que puxou a mobilização pela ficha limpa.
A chamada minirreforma eleitoral, que tem como relator o senador Valdir Raupp, traz mais facilidades para os políticos do que respostas para os eleitores. Um dos poucos avanços decorreu da emenda do senador Humberto Costa, proibindo a contratação de cabos eleitorais. Já a emenda do senador Pedro Taques, que torna obrigatória a divulgação dos nomes dos financiadores de cada campanha, não deve passar. Restarão mudanças cosméticas, como a proibição de envelopagem de carros, do uso de faixas, placas e cavaletes. E ainda permite que os candidatos paguem as multas por propaganda irregular com recursos do Fundo Partidário.
O projeto do Movimento Eleições Limpas permitiria mudanças substantivas, já para 2014. O financiamento seria misto, ficando proibida as doações de empresas e limitadas a R$ 700 as de pessoas físicas. Tudo legal, com cartão ou transferência bancária. Haveria também um fundo público, que seria distribuído aos partidos, proporcionalmente ao tamanho das bancadas. Candidatos sem dinheiro ou patrocinador teriam alguma chance de concorrer, o que traria alguma renovação.
O modo de escolha dos deputados e dos vereadores é que mudaria radicalmente, para melhor. Eles seriam eleitos em dois turnos. No primeiro, cada partido apresentaria seu programa e uma lista de nomes equivalente ao dobro das vagas em disputa. Os eleitores votariam nos partidos, e os votos recebidos indicariam quantas cadeiras o partido conquistou. No segundo turno, o eleitor escolheria o nome de sua preferência dentro da lista do partido. A proposta será entregue estes dias, com as assinaturas necessárias para tramitar como iniciativa popular. Mas o Congresso, a seu favor, não dará um passo.
Espionagem: aqui e alhures
O petróleo sempre despertou a cobiça e motivou ações políticas e militares dos Estados Unidos. Em maio, o primeiro-ministro do Timor Leste, Xanana Gusmão, denunciou à Agência Lusa que foram espionadas as negociações entre seu país e a Austrália para a exploração pactuada do campo de Greater Sunrise, no Mar do Timor, que banha os dois países. A Austrália, talvez pelos laços de amizade com os EUA, havia silenciado. Xanana foi firme: "Eu não teria tomado decisão tão grave (a de denunciar o fato) se não tivesse bases sólidas".
No início do mês, antes portanto das revelações do programa Fantástico, de que a Petrobras foi alvo da espionagem americana, a presidente Dilma Rousseff disse a auxiliares que, a seu ver, a coleta de informações sobre o pré-sal seria um dos principais objetivos da grande arapongagem. Sabia do que falava. Ontem, ao sancionar a lei que destina 75% dos recursos dos royalties do petróleo à educação, Dilma deitou falação sobre o petróleo brasileiro, mencionando as grandes reservas e a tecnologia nacional de exploração submarina, como quem dissesse: "Sim, temos muito petróleo". Mas, como no pronunciamento de sexta-feira, silenciou sobre a espionagem, talvez para evitar acusações de que estaria insuflando o sentimento antiamericano que, pelo visto, deixou de existir. Não aparece nem nos protestos onde o que se queima agora é a bandeira brasileira.
O que precisa ser esclarecido é o quê exatamente procuravam os espiões. Se informações sobre reservas, sobre os próximos leilões, que incluem o megacampo de Libra, ou sobre a tecnologia brasileira de exploração em águas profundas. Edward Snowden deve saber mais do que já informou.
Dois pontos
Duas ocorrências do Sete de Setembro continuam ecoando como aviso. Uma, sobre o despreparo da polícia, que, ao reprimir protestos, atacou também jornalistas e fotógrafos, entre eles cinco profissionais do Correio. A flagrante violação da garantia constitucional da liberdade de imprensa repercutiu negativamente mundo afora e, aqui, gerou protestos tanto da Fenaj, que congrega os profissionais, como da ANJ, que reúne as empresas.
O segundo aviso foi aos grupos radicais, que contribuíram para o refluxo das manifestações pacíficas. Isso ficou evidente nas cidades em que os pequenos grupos de radicais anarquistas atuaram de forma violenta. No Rio, segundo o jornal O Globo, quando os black blocs passaram pelo Largo do Machado, os moradores gritaram das janelas dos prédios: "Atira!", incitando a PM a usar balas de borracha.
Isolando-se, os radicais passaram a justificar a repressão, por ora comandada pelos governos estaduais. O governo federal, que vinha só assistindo, agora vai dar sua contribuição.
FH na Academia
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso toma posse hoje na Academia Brasileira de Letras. O fardão nunca foi um sonho do político e cientista social, autor de 23 livros e de centenas de artigos, mas a literatura sempre foi objeto de sua inveja. Certa vez, perguntei-lhe que outra coisa gostaria de ter feito na vida, além da política e da sociologia. "Ah, eu gostaria muito de ter sido escritor, mas sou racional demais para escrever ficção." Foi pela mão de outro político que FH chegou à cadeira 36. Logo após a morte do titular, João de Scantimburgo, o acadêmico e ex-presidente Jose Sarney, com a ajuda de Nelida Piñon, ligou para FH, insistiu e o convenceu a apresentar a candidatura. Convalescendo, não poderá comparecer. FH será saudado por seu ex-chanceler Celso Lafer, que também é homem da razão, e não da sensibilidade literária.
Fonte: Correio Braziliense
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