Assim como os governantes e políticos de todos os partidos perderam popularidade com as manifestações de junho, que explicitaram a falta de representatividade do Congresso e das instituições políticas tradicionais, os vândalos que assumiram o controle das manifestações posteriores, inclusive as de 7 de setembro, devolveram às autoridades constituídas a legitimidade para a repressão dos Black Blocs e congêneres.
Os excessos policiais registrados na repressão ao movimento pelo Passe Livre em São Paulo e no Rio em junho despertaram nos cidadãos um sentimento de revolta que teve como conseqüência a grande manifestação do dia 20 de junho, uma quinta-feira que entrou para a história do país.
A tal ponto que os movimentos sociais que se consideravam controladores das manifestações populares, como sindicatos e partidos políticos, surpreenderam-se com o caráter espontâneo daquelas manifestações pelo país, e tentaram retomar o controle das ruas.
Foram tentativas mal-sucedidas, na medida em que rechaçadas por quem não se considerava representado por eles, e suas passeatas ficaram muito aquém das manifestações espontâneas daquele 20 de junho.
Mas a violência dos grupos paramilitares infiltrados e dos Black Blocs acabou dominando as ruas, expulsando delas a classe média que havia explicitado seu descontentamento com os serviços públicos mal prestados, com o desperdício do dinheiro público em obras suntuosas e desnecessárias como os estádios de futebol “padrão Fifa”, com o combate à corrupção, e com o descaso governamental com a saúde e educação, prioridades da cidadania que os manifestantes espontâneos levaram para as ruas sem precisarem de partidos ou organizações sociais para guiá-los.
Esses cidadãos em boa parte continuam descontentes, continuam sentindo-se subrepresentados, pois nada de concreto foi feito no sentido de rever as prioridades do governo, a não ser medidas paliativas como a vinda cubanos para “solucionar” a carência de médicos no interior do país, ou a aprovação de algumas leis no Congresso que ainda precisam ser confirmadas em novas votações longe da pressão popular.
Os acontecimentos recentes têm ajudado a presidente Dilma a superar seus problemas políticos, e o exemplo mais claro disso é a crise com os Estados Unidos. Nada melhor para um governo acuado pelos maus resultados do que um inimigo externo a combater, e a presidente Dilma vem fazendo isso com extrema eficiência.
O perfil tecnocrático da presidente, aliado à discrição anódina do seu antigo chanceler Antonio Patriota talvez tenha servido para, num primeiro momento, tratar o assunto com a cautela que certamente os antecessores dos dois não teriam diante dos dividendos políticos potenciais.
À medida que as revelações evidenciaram que a espionagem ia além de questões relacionadas ao combate ao terrorismo, chegando à pessoa da própria presidente e à mítica estatal Petrobrás, as evidências favoreceram a tese política mais apropriada ao governo: os “gringos” estão de olho em nossas riquezas do pré-sal.
Não importa se esse “tesouro” debaixo da terra, que seria nossa redenção, um “bilhete premiado” na definição do ex-presidente Lula, já não represente tanto assim diante da exploração do xisto betuminoso pelo próprio Estados Unidos, que já mudou a perspectiva do setor energético no mundo.
O mito de que a maior potência mundial espiona nossa presidente e nossas riquezas rende bons dividendos políticos, e o governo brasileiro está se aproveitando bem das circunstâncias, do ponto de vista de seus interesses eleitorais imediatos.
Mas está também agindo com cautela para não ter que “declarar guerra”, como advertiu o senador Francisco Dornelles. Tanto que não suspendeu o leilão do campo de Libra, o primeiro a ser realizado para exploração do pré-sal sob o novo marco regulatório petista.
A recuperação da popularidade da presidente Dilma tem a ver com a exposição de sua figura na televisão e a pretensa aceitação das vozes das ruas, mas os motivos do mal-estar da cidadania continuam latentes, e a qualquer momento podem provocar reações surpreendentes.
Fonte: O Globo
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