Na segunda-feira um homem falou comigo simpaticamente no elevador do prédio onde está meu escritório: "Olhe, desculpe-me a liberdade de lhe perguntar, o senhor nem me conhece, mas o que vai acontecer na disputa eleitoral do ano que vem?". Eu tinha apenas alguns segundos até chegar ao meu andar e sorri: "Francamente, não sei. E se alguém lhe disser que sabe, é porque está por fora, não compreende nada do que está acontecendo".
Uma certeza, no entanto, é possível ter: a diversidade e o tamanho dos problemas que o presidente que vier a ser eleito terá de enfrentar a partir de 2015 para administrar o País e corresponder às expectativas da população. O problema n.º 1 será o desequilíbrio externo da economia, que trava o crescimento com qualidade. O indicador mais sintético é a evolução do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, perto de 4% do PIB este ano - cerca de US$ 75 bilhões. O Brasil, na última década, não utilizou a notável bonança externa - juros internacionais baixíssimos e preços de nossas exportações agrominerais nas nuvens - para investir e fortalecer a competitividade. O modelo lulista transformou os recursos dessa bênção em consumo privado e público, substituindo boa parte da produção doméstica da indústria, que vem regredindo em marcha forçada, perdendo mercado interno e capacidade para exportar.
O desequilíbrio no balanço de pagamentos não vai ser atenuado durante o próximo mandato por algum novo surto de bonança externa: pode não ocorrer um desabamento dos preços das commodities, mas não haverá novo salto para cima. E os juros internacionais vão subir, pois, tudo indica, as economias desenvolvidas vão puxar o crescimento mundial. Assim, o governo terá de enfrentar duas questões difíceis: a desvalorização do real, pressionando a inflação, e os juros reais domésticos elevados, a fim de atrair capitais para fechar as contas externas. As grandes reservas de divisas do Brasil não são panaceia nesse caso. Este ano o Banco Central já vendeu US$ 50 bilhões a câmbio futuro para segurar o valor do real.
O próximo presidente será o herdeiro da falta de uma política de comércio exterior, uma anomalia para uma nação continental e tão dependente do exterior. A ponta do novelo dessa aberração está no Mercosul, um monumental equívoco. Ao eliminar a soberania comercial brasileira, forneceu pretexto à inércia nos acordos bilaterais e à doutrina do dolce far niente do Itamaraty.
A inflação será o terceiro grande problema: não é explosiva, mas, no mundo de hoje, é alta, mesmo sendo reprimida. O novo governo não terá raio de manobra para expandir os atuais preços controlados - haverá pressão para absorvê-los. Até quando os preços de combustíveis e tarifas de transporte podem ser reprimidos? Mais ainda, o próximo presidente terá de lidar com a indexação da economia, ampliada e intensificada no último decênio.
Dominará a agenda uma quarta questão: a da infraestrutura de energia e transportes, hoje em estado crítico em razão da incapacidade das gestões petistas de investir, seja diretamente, seja mediante parcerias com a área privada. Nessa área, o PT não revelou apenas impaciência para aprender. Contaram também a ideologia, a propaganda e a malandragem com dinheiro público. Exemplo eloquente em transportes: o frete de livros brasileiros impressos na China, por navio, é inferior ao custo Rio-São Paulo.
Será preciso também encarar a estreiteza do espaço para manobras fiscais. Não há perspectiva de desastre até 2015, mas cessou o repertório abusivo do último decênio, que permitiu sustentar o consumo governamental, fazer financiamentos públicos sem critérios e, em suma, desperdiçar recursos. Nem mesmo é possível elevar a carga tributária, hoje a maior do mundo em desenvolvimento, expediente principal do combate ao déficit público desde a segunda metade da década de 1990. Essa carga explica três quintos do custo Brasil, que corresponde ao acréscimo de 25% nos preços da produção doméstica na comparação com a média dos nossos parceiros comerciais!
Essa perda do raio de manobra fiscal vai limitar não apenas a gastança em consumo governamental, mas também a chamada "bolsa BNDES" e, mais amplamente, a atuação do Tesouro Nacional como fonte transbordante de crédito da economia. Acrescente-se que o próximo presidente é que terá de arcar com os inevitáveis micos na cobrança dos juros e do principal desses financiamentos.
Um sexto problema, mas não nessa ordem, será o enfrentamento das demandas de saúde, principal item de insatisfação no Brasil de hoje. A demonização da classe médica é só uma cortina de fumaça que esconde os problemas de má gestão e de encolhimento relativo dos gastos do governo federal no setor em relação a Estados e municípios. Com realismo, sem uma recomposição para cima da distribuição das despesas as dificuldades prosseguirão, com ou sem a fantasia dos recursos do pré-sal.
Os nós da educação são ainda mais difíceis de desatar. Apesar do expressivo aumento de despesas públicas, o setor é administrado com mediocridade e controlado pelo corporativismo. Os números da propaganda mal escondem a incapacidade de atrelar a educação à questão do desenvolvimento. Só por isso o setor é considerado estratégico mundo afora. Por enquanto, entende-se a educação só pelo viés de uma suposta justiça social. É evidente que isso faz sentido, mas é só primeiro passo da equação. Há ainda questões prementes como a epidemia de drogas ou a sustentabilidade ambiental, ignoradas pelo petismo.
O fecho da lista de problemas é a necessidade de um novo estilo de governar, que aposente a estridência publicitária e a balcanização do Estado brasileiro. Esse modelo não só não resolve as dificuldades, como cria entraves adicionais. O primeiro passo para romper a inércia do atraso é o reconhecimento de que os problemas existem. E as respostas certamente não podem ser dadas por quem fez dessas dificuldades a razão de sua força.
*Ex-governador e ex-prefeito de São Paulo
Fonte: O Estado de S. Paulo
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