Foi um erro apostar em uma política econômica que supunha que o mundo nunca voltaria à normalidade.
O Brasil deve ter um 2014 difícil. É o que se conclui da declaração do ministro da Fazenda, para quem "a economia brasileira está crescendo com duas pernas mancas: de um lado, o financiamento ao consumo, que está escasso, e, de outro lado, a crise internacional, que nos rouba uma parte da nossa possibilidade de crescimento".
De fato, o Brasil está com pernas mancas há bastante tempo. Isso só não ficou evidente antes pois caminhávamos apoiados nas muletas do crédito fácil e de uma economia internacional que nos ajudava muito. Retiradas as muletas, viu-se que nosso modelo econômico é de fato manco.
Alguns números ilustram nossa dependência dessas muletas. Nos 12 meses até novembro, o crédito livre às pessoas físicas aumentou 1,8%, descontada a inflação, contra uma média de 10,9% ao ano no quinquênio anterior. Isso explica, em parte, a expansão mais lenta das vendas do varejo - 2,2% nos 12 meses até outubro, contra 8,4% ao ano no quinquênio anterior - e do consumo das famílias - 2,3% nos quatro trimestres até setembro, contra 4,9% ao ano no lustro anterior.
O crédito ao consumo está mais "escasso" pois a massa salarial real está crescendo menos: 2,4% nos doze meses até novembro, contra uma média anual de 6,0% no quinquênio anterior. Além disso, as famílias estão se endividando para comprar moradia, deixando menos espaço para empréstimos para o consumo. Nos doze meses até novembro, o crédito imobiliário direcionado para as pessoas físicas aumentou 26,9% em termos reais.
A forte alta no crédito imobiliário fez com que o total de empréstimos às pessoas físicas crescesse 10% nos doze meses até novembro. Ainda é um aumento muito grande. Dado o patamar que já atingiu, a dívida das famílias não tem como continuar a crescer tão à frente da massa salarial, especialmente agora que os juros, em vez de cair, estão subindo. É irreal acreditar que o crédito ao consumo pode voltar a crescer como antes. Essa muleta se foi.
A economia mundial ajudou menos o Brasil em 2013 do que vinha fazendo até então. De acordo com o FMI, em 2013 o PIB mundial cresceu 2,9%, 0,3 ponto percentual a menos que em 2012. A Ásia Emergente, em especial, cresceu "apenas" 6,3%, contra uma média de 7,8% ao ano no quinquênio anterior. Isso ajuda a explicar por que o preço das nossa exportações caiu 12% nos 24 meses até outubro, depois de subir 14% ao ano no quinquênio anterior.
O Brasil também sofreu com a perspectiva de que o Fed, o banco central americano, começaria a reduzir a emissão de dólares para comprar títulos públicos e papéis lastreados em hipotecas. Desde que o presidente do Fed tocou nesse tema pela primeira vez, os juros e o dólar dispararam no Brasil. A alta dos juros encareceu o custo de financiamento público e corporativo. A desvalorização do real ameaçou as empresas endividadas em moeda estrangeira, obrigando o Banco Central a prover hedge no mercado de derivativos.
Mas esses desenvolvimentos na Ásia e nos EUA nada mais são que o início de uma volta à normalidade. Foi um erro apostar numa política econômica que supunha que o mundo nunca voltaria à normalidade. Como acreditar que o preço das exportações continuaria subindo 14% ao ano para sempre ou que o Fed iria indefinidamente imprimir um trilhão de dólares ao ano? Essa muleta também se foi.
Porque não se preparou para isso, o Brasil está sofrendo mais que a maioria dos emergentes com a normalização externa. De acordo com o FMI, depois de crescer em média 4,5% ao ano em 2006-10, o Brasil deve ter expansão de apenas 2,2% ao ano em 2011-14. A desaceleração no resto da América Latina foi bem mais branda, de 3,9% para 3,8% ao ano entre os dois períodos. Vale dizer, o cenário externo impactou bem mais o Brasil que o resto da região.
Isso ocorreu por termos tantas "pernas mancas": nosso déficit externo é alto, a situação fiscal piorou sensivelmente e nossa inflação segue perto do teto da banda, a despeito de todas as isenções tributárias e de os preços controlados pelo governo terem subido apenas 1% nos doze meses decorridos até novembro. Isso sem falar da alta e complexa carga tributária, do péssimo ambiente de negócios, da falta de infraestrutura e mão de obra qualificada, e da alta insegurança jurídica.
Com o mercado de trabalho mais fraco em 2014, os juros mais altos e a preferência pelo crédito imobiliário, o crédito ao consumo vai continuar escasso no ano que vem. Com a Ásia Emergente crescendo 6,5% em 2014, o Fed começando este mês a desmontar a política de afrouxamento quantitativo, e nossos fundamentos econômicos piorando, no ano que vem o ambiente externo também não vai ajudar muito.
O mercado prevê que o país, com as pernas mancas e sem muletas, conseguirá crescer só 2% em 2014. No Ibre, projetamos alta de apenas 1,8%. A questão que se coloca é se, passadas as eleições, faremos as reformas necessárias para poder crescer com pernas fortes e menor dependência do crédito farto ao consumo e dos fortes ventos a favor da conjuntura global.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ.
Fonte: Valor Econômico
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