sábado, 4 de janeiro de 2014

A cartada de Mantega contra a desconfiança

Ministro da Fazenda antecipa o anúncio dos resultados fiscais, com superavit de R$ 75 bilhões. O valor, no entanto, só foi obtido com receitas extraordinárias.

R$ 75 bilhões para acalmar os "nervosinhos"
Diante da descrença generalizada nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, resolveu antecipar a divulgação de parte dos resultados fiscais de 2013. Ontem, informou que a economia para pagar os juros da dívida (poupança chamada de superavit primário) ficou em R$ 75 bilhões no ano passado — R$ 2 bilhões acima da meta do governo. A despeito de superar o objetivo oficial, o valor só foi alcançado com a ajuda de receitas extraordinárias, ou seja, não foi construído com base em um esforço fiscal verdadeiro, a partir de maior disciplina nos gastos.

O anúncio antes da data prevista teve a intenção de ofuscar o desempenho medíocre de outros indicadores, como a balança comercial, que teve o pior resultado dos últimos 13 anos, e o crescimento econômico, que não conseguiu ir muito além de 2%. Nas palavras de Mantega, serviu também para afastar expectativas negativas que rondam 2014. "Como alguns analistas diziam que não íamos cumprir o (objetivo) fiscal, ficar com essa percepção até o fim de janeiro não seria bom", afirmou. "Estamos antecipando para acalmar os nervosinhos."

Foram principalmente eventos ocorridos no fim do ano passado que permitiram ao governo alardear o cumprimento da meta fiscal. Uma delas foi o programa especial de refinanciamento de débitos com o Fisco. Criticado por técnicos da Receita Federal por facilitar a vida de devedores contumazes, ele proporcionou uma receita extra de R$ 20 bilhões em novembro. Além disso, outros R$ 15 bilhões entraram nos cofres públicos, naquele mês, com o pagamento do bônus de assinatura pelas empresas que ganharam a concessão do campo petrolífero de Libra, na área do pré-sal.

Apesar da intenção de tranquilizar investidores, o mercado não reagiu como o ministro esperava. A maneira pela qual o governo chegou ao superavit, na visão de especialistas, é mais um exemplo da política de "contabilidade criativa" que colocou em xeque a nota soberana (rating) do Brasil — espécie de ranking que classifica as economias conforme a segurança que oferecem para investimentos, no qual o país está ameaçado de perder posições. "Isso não ajuda a melhorar a credibilidade. O argumento é de que está tudo bem na parte fiscal. Mas foi mais um passo para a perda de nota das agências de classificação de risco", disse o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

"O anúncio antecipado, bem como a decisão da presidente Dilma Rousseff de ir, neste ano, ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, insere-se na estratégia de convencer formadores de opinião econômica de que o Brasil não se encontra em desordem fiscal", avaliou Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, em Nova York.

Esforço
Em dezembro, segundo Mantega, o governo central fez um superavit de R$ 14 bilhões, um recorde para o mês. A arrecadação, de R$ 116 bilhões, foi a maior já registrada no período. Para o ministro, o resultado reflete o aumento da atividade econômica. "Os brasileiros estão pagando menos impostos na cesta básica, os empresários, na folha de pagamentos, e as pequenas empresas, com o Simples. Mesmo assim, a receita está crescendo. Isso é uma combinação feliz e positiva", afirmou.

A economia de R$ 75 bilhões — equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) — corresponde somente à fatia que cabe ao governo federal na meta fiscal para 2013. O valor total será fechado com o esforço feito por estados e municípios, uma colaboração que deveria levar a poupança para 2,3% do PIB. Esse número, no entanto, parece impossível de ser alcançado.

Mantega não quis antecipar as metas para este ano, que serão anunciadas em fevereiro. Ele garantiu, porém, que apenas na eventualidade de uma "catástrofe" o governo fará um superavit menor do que 1,1% do PIB, como vem sendo estimado pelo mercado. "Infelizmente, as perspectivas para 2014 apontam para um resultado abaixo da meta para o setor público consolidado", ponderou Flávio Serrano, economista do Espirito Santo Investment Bank. "Teremos crescimento baixo e será difícil arrumar novamente tanta receita extraordinária."

Divisa em espécie fica sem IOF
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que não haverá aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a compra de moeda estrangeira em espécie por turistas. No fim do ano passado, o governo elevou de 0,38% para 6,38% a alíquota para operações com cartões de débito e pré-pagos, compras de cheques de viagem e saques em moeda estrangeira no exterior. 

"Essa medida busca evitar exageros. O efeito arrecadatório ocorrerá, mas não é o mais importante. O aumento não será colocado em outros itens. Estamos tirando e não colocando IOF", disse o ministro.

Fonte: Correio Braziliense

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