Luiz Raatz
CARACAS - Mais do que a repressão policial aos protestos de rua, ou as denúncias de autocensura na imprensa privada da Venezuela, existe uma questão crucial para determinar o futuro do chavismo no país. Até que ponto a grave crise econômica, com uma inflação em 12 meses de 56% e escassez de praticamente três em cada dez produtos da cesta básica chegará às classes mais pobres da população, onde o bolivarianismo sempre foi mais forte e desenvolveu ferramentas para mitigar a pobreza e melhorar sua qualidade de vida.
Em Caracas, quase todos os protestos se concentram na parte leste da cidade, tradicional reduto da classe média e média alta. A zona oeste, fortemente chavista, está tranquila. Nesse sentido, o líder opositor Henrique Capriles tem razão quando diz que, se o movimento opositor não conseguir aglutinar o apoio dos bairros mais pobres, não terá sucesso em pressionar o governo por mudanças na política econômica. Por ora, parece um explosão de revolta da classe média, que nunca morreu de amores pela revolução bolivariana.
Uma facção mais radical da oposição pede a renúncia do governo. Maduro, no entanto, ainda mantém o chavismo coeso - pelo menos na aparência - e desfruta do respaldo absoluto do Exército e de outras instituições que detêm o monopólio da força legítima do Estado. Assim, uma ruptura institucional é improvável.
Apesar disso, há uma tendência de esvaziamento popular nos atos pró-governo. No último fim de semana, enquanto a oposição reuniu ao menos 20 mil pessoas em um ato no leste de Caracas, uma passeata chavista no centro da capital não conseguiu chegar a dez mil manifestantes. Com seu mentor, ícone e líder morto há um ano, e com um sucessor sem o mesmo carisma, apesar de tentar emular os gestos e o discurso do padrinho, há uma percepção de que o poder de mobilização já não é o esmo.
Mesmo militantes chavistas reconhecem que estão sendo duramente golpeados pela falta de alimentos e produtos, ainda que a atribuam à uma suposta guerra econômica da burguesia contra o governo. Resta saber se a cúpula do chavismo conseguirá manter a população mais pobre minimamente abastecida de serviços, bens e alimentos.
O governo conta com uma rede de supermercados estatais, além de feiras ao ar livre com alimentos a preços subsidiados, chamada Mercal. A PDVAL - braço de distribuição de alimentos da PDVSA, a estatal do petróleo -, que abastece essas redes anunciou na segunda-feira, 25, novas restrições ao consumo. Nos próximos meses, os venezuelanos terão direitos apenas a compras semanais nesses mercados.
Diante desse cenário, é crucial saber como a população mais pobre reagirá, principalmente se as reservas em dólar do governo continuarem a cair, o que provavelmente aumentaria a diferença entre o dólar oficial e o câmbio paralelo, acentuando a escassez. Num cenário de crise econômica aguda, a insatisfação popular nos setores mais pobres tende a crescer.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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