Desde que o Supremo Tribunal Federal reviu a pena de formação de quadrilha no julgamento do mensalão estabeleceu-se no país um debate completamente paranóico sobre o aparelhamento do plenário do STF pelo fato de que os dois novos ministros, Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki, indicados pela presidente Dilma, foram decisivos para a mudança da condenação em absolvição.
Os petistas, por sua vez, consideraram uma vitória a absolvição por quadrilha e correram a alardear um suposto reconhecimento de que o Supremo errou no primeiro julgamento.
Não concordo com a teoria da conspiração que denuncia um plenário manipulado, embora pessoalmente defenda a tese de que não seria possível a realização de um assalto ao dinheiro público tão bem planejado, em diversos níveis de atuação, se não houvesse um comando central de uma organização criminosa por trás.
Da mesma maneira é risível a tentativa de transformar a mudança do STF em indicativo de que há espaço para uma revisão criminal que anule o julgamento. Tanto a formação de quadrilha quanto a lavagem de dinheiro – outro crime que possivelmente será anulado pelo novo plenário na análise dos embargos infringentes – são de definição controversa, e é perfeitamente natural a interpretação da lei em sentido contrário, tanto que dos doze ministros que votaram no julgamento a esse respeito, metade foi para um lado e a outra metade para o outro.
Não é à toa que minha leiga percepção da questão teve o respaldo de nada menos que seis ministros do Supremo no decorrer do julgamento, enquanto ao final outros seis ministros votaram em sentido contrário. A maioria “feita sob medida” a que se referiu pejorativamente o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, foi formada circunstancialmente, mas não tem nada de anormal.
A Suprema Corte dos Estados Unidos tende a ficar mais liberal ou conservadora à medida que presidentes democratas ou republicanos nomeiam ministros.
Segundo Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, sabe-se que há uma tendência geral a um alinhamento de crenças e valores básicos entre o indicado e quem indicou.
Nas últimas décadas, isso significa que Presidentes mais liberais tendem a indicar ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto Presidentes mais à direita indicam ministros do outro lado do espectro nessas questões.
Os juízes John Roberts e Samuel Alito, indicados por George W. Bush, são publicamente próximos do partido Republicano. Já as juízas Elena Kagan e Sonia Sotomayor, indicadas por Obama, têm perfil significativamente mais progressista. A diferença é que Suprema Corte não trata de questões criminais, como o STF.
Talvez essa seja uma grande diferença, pois ser conservador ou liberal em relação a questões éticas e morais é uma coisa, outra é definir o quanto os valores morais e políticos de um ministro, claramente importante na interpretação constitucional, podem e devem - ou não – influir no julgamento de uma ação criminal originária.
Mas no fundo, estamos falando da mesma coisa, se considerarmos que não ver crime de quadrilha no mensalão equivale a compreender o caso como uma consequência das leis eleitorais, e não como ação delinquencial de políticos petistas.
Se pegarmos a história dos dois novos ministros, não há nenhuma indicação de que sejam juízes ou juristas sujeitos a pressões ou manipuláveis. Têm simplesmente seus pontos de vista, revelados em anos de atuação. O que acontece, pelo menos no caso do Barroso, é que ele tem "proximidades ideológicas" com o governo petista, e uma visão bastante próxima da dos que defendem a tese de que houve “apenas” caixa 2 eleitoral.
O ministro Luis Roberto Barroso, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, sempre foi um advogado ligado à esquerda. Defendeu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, pesquisa com células-tronco embrionárias, união homoafetiva e rejeição da extradição de Cesare Battisti, todos temas caros à esquerda que se auto-intitula progressista.
O ministro Teori Zavascki é muito respeitado pela doutrina criada nas áreas de Direito Administrativo e Tributário, com atuação de destaque no Superior Tribunal de Justiça. O que deve ter acontecido é que vendo posições anteriores dos dois, o Palácio do Planalto os tenha escolhido sem mesmo precisar macular a sabatina com uma pergunta direta sobre suas posições específicas. (Continua amanhã)
Fonte: O Globo
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