Estrutura de comando da empresa desperta a cobiça dos políticos não só pela remuneração, mas pelo poder sobre contratos milionários
Klécio Santos – Zero Hora (RS)
Uma das maiores petrolíferas do mundo, a Petrobras tem hoje 80 mil funcionários, mas o que desperta a cobiça dos políticos é sua estrutura de comando, transformada em cabideiro para acomodar aliados de ocasião.
Foi por conta de práticas como essa que a estatal está prestes a virar alvo de uma CPI, após a polêmica compra de uma refinaria no Texas que causou prejuízo bilionário à empresa.
Além do conselho de administração, do qual fazem parte atualmente dois ministros, a estatal conta com seis diretorias, sem falar no controle de subsidiárias importantes como a BR Distribuidora e a Transpetro.
O atrativo não é só a remuneração, mas o poder sobre contratos milionários. Abaixo do topo da pirâmide ainda há uma centena de cargos de gerente e chefe de departamento, um universo pronto para ser preenchido por nomeações políticas. Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT transformou a empresa em abrigo para aliados.
O curioso é que todo mundo tenta nomear um apaniguado, mas, quando estoura um escândalo, ninguém assume a autoria da indicação. A dissimulação ficou evidente no bate-boca entre dois senadores, dias atrás.
No cerne da discussão entre Renan Calheiros (PMDB-AL) e Delcídio Amaral (PT-MS) está o DNA da indicação de Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras. Foi ele o responsável pelo laudo técnico considerado “falho” por Dilma Rousseff e que, em 2006, subsidiou o conselho administrativo da Petrobras na compra da refinaria de Pasadena.
— Delcídio tem de ficar despreocupado, porque, certamente, ele não o indicou para o Cerveró roubar a Petrobras — ironizou Calheiros, presidente do Senado, a quem a nomeação também foi atribuída.
Fato é que Cerveró é mesmo ligado a Delcídio. Ambos haviam trabalhado juntos à época em que o petista foi diretor de gás e energia da Petrobras, no governo Fernando Henrique Cardoso. Delcídio emplacou o amigo no cargo de diretor internacional na gestão de José Eduardo Dutra, em 2006.
Como Delcídio nunca gozou de prestígio no PT por conta das boas relações com o PSDB, Cerveró tratou de procurar abrigo. Logo foi acolhido pela cúpula do PMDB e assumiu a direção financeira da BR Distribuidora, um dos poderosos braços da estatal, até ser exonerado do cargo por ordem de Dilma, no dia 21.
Outro caso de apadrinhamento negado é o do ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal há duas semanas na Operação Lava-Jato. Ele teria envolvimento com a quadrilha suspeita de movimentar mais de R$ 10 bilhões.
Costa chegou à estatal em 2004, antes de o mensalão vir à tona, respaldado por dois pivôs do esquema: o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado do PP José Janene, falecido em 2010. Com trânsito fácil entre parlamentares, ampliou relações. No Congresso, há o temor de um eventual depoimento de Costa em uma CPI.
— Há indícios de que ele ajudou muita gente em campanhas eleitorais — diz um deputado governista.
Entrada de Graça Foster forçou uma renovação
As indicações partidárias em estatais se ampliaram com a chegada de Lula ao Planalto. Em vez de quadros técnicos, políticos como José Eduardo Dutra e Sérgio Gabrielli assumiram a presidência da estatal. E as diretorias foram fatiadas entre José Dirceu, que comandava a Casa Civil, e os partidos aliados.
Até mesmo a espinha dorsal da companhia, a diretoria de exploração e produção, entrou na barganha, tendo sido prometida por Lula ao então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, do PP. Em audiência com Dilma, à época ministra de Minas e Energia, Severino cobrou a fatura:
— O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo.
A ministra resistiu, e a cobrança entrou para o folclore político de Brasília. Apesar de contrariada, a hoje presidente cedeu a Dirceu, que emplacou vários diretores.
Ao assumir a Presidência, Dilma tentou reverter a prática, empossando Graça Foster no comando da estatal. A mudança de gestão implicou ampla renovação nos quadros de direção aparelhados por Dirceu. Foi o caso da estratégica diretoria de engenharia. Graça trocou Renato Duque por Richard Olm. Outro afilhado de Dirceu, Diego Hernandez, também foi alvo da degola de Dilma. Ele exercia o cobiçado posto de gerente de RH.
Hoje cumprindo pena na Papuda, Dirceu ainda mantém os apadrinhados José Eduardo Dutra – que chegou a assumir a presidência do PT antes de retornar à estatal — e o sindicalista Wilson Santarosa, gerente de comunicação institucional. A navalha de Graça Foster, contudo, não impediu que a Petrobras fosse palco de escândalos.
Os personagens e os padrinhos
Graça Foster — Executiva de carreira na Petrobras, onde entrou como estagiária, Maria das Graças Foster é próxima de Dilma Rousseff desde 1999. “Dilminha” e “Gracinha”, como se tratam na intimidade, trabalham juntas desde que a presidente era secretária de Energia de Olívio Dutra e Graça, a responsável pelo gasoduto Brasil-Bolívia. Entre 2003 e 2005, quando Dilma foi ministra de Minas e Energia, Graça foi secretária de petróleo e gás do ministério. Escolhida por Dilma como a primeira presidente mulher da Petrobras, Graça vem promovendo uma limpa no órgão, trocando diretores e incontáveis gerentes associados à máquina do PT.
Sergio Gabrielli — O padrinho de Sérgio Gabrielli no PT é o governador da Bahia, Jacques Wagner, um dos mais próximos de Lula. Baiano e economista, substituiu José Eduardo Dutra, que deixou a estatal para concorrer ao Senado, mas foi derrotado. Gabrielli se tornou um dos mais longevos presidente da Petrobras, mas nunca contou com a simpatia de Dilma. Em uma das tantas discussões e desentendimentos por conta dos rumos da empresa, Dilma teria feito Gabrielli chorar em uma reunião. Lula o queria como candidato à sucessão de Wagner. Hoje, é secretário de Planejamento na Bahia.
Nestor Cerveró — Diretor da área internacional da Petrobras na época da aquisição da refinaria de Pasadena, Nestor Cerveró cresceu na hierarquia da Petrobras com o aval do senador Delcídio Amaral, com quem trabalhara na estatal, e da cúpula do PMDB, de quem se aproximou nos últimos tempos. À frente da diretoria, era o responsável pela expansão dos projetos de gasoduto na América Latina. Em março de 2008, quando deixou o cargo para assumir a BR Distribuidora, foi substituído por Jorge Zelada, indicado pelo PMDB mineiro. Zelada foi limado com a chegada de Graça Foster. Já Cerveró foi demitido como bode expiatório.
Paulo Roberto da Costa — Preso pela PF na Operação Lava-Jato por suposto envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, Paulo Costa era considerado braço forte de Gabrielli na Petrobras. Chegou à estatal com o aval de José Dirceu e do deputado José Janene. Engenheiro mecânico, fez especialização em engenharia de instalações no mar e escalou cargos até a diretoria de abastecimento. Participou, ao lado de Cerveró, da elaboração do documento que embasou a compra da refinaria americana. Demitido por Graça Foster, montou uma consultoria, a Costa Global. Mantém boas relações com vários políticos no Congresso.
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