• Para especialistas, protestos são reação ao distanciamento das atuais decisões do governo federal de bandeiras históricas do PT
Renato Onofre e Tiago Dantas – O Globo
SÃO PAULO E RIO - O retorno de movimentos sociais tradicionais às ruas na última quinta-feira é visto por analistas e cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO como uma reação ao distanciamento das atuais decisões do governo federal de bandeiras históricas do PT. Mas também é apontado como uma oportunidade de diálogo, já que esses grupos têm como um dos caminhos para conseguir o seu objetivo a mesa de negociação.
Dois fatores são apontados pelos especialistas como agentes desse distanciamento: o longo tempo de permanência no poder sustentado por política de concessões a setores da sociedade como agricultores e empresários, rivais históricos do movimento social de base, e os gastos com a realização da Copa do Mundo, utilizados como bandeira para cobrar a solução de problemas como moradia e terra.
— Quando você é governo e fica no poder por tanto tempo, como está o PT hoje, é natural passar por desgastes. Muitos desses movimentos sociais ficaram sob o chapéu ideológico do PT por anos, vendo o partido como seu canal legítimo de reivindicação. Quando o partido chega ao poder e não supre demandas históricas, defendidas conjuntamente por décadas, é inevitável a insatisfação, que foi agravada com a prioridade de investimentos na Copa do Mundo — explica o cientista político e professor da Iuperj Marcelo Simas.
A pesquisadora Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e que desde junho do ano passado tem se dedicado a estudar os protestos em São Paulo, também acredita que a nova configuração das manifestações nos últimos dias expõe o distanciamento do PT:
— O partido enfrenta um momento paradoxal, porque está sendo combatido pelos movimentos que o ajudaram a chegar ao poder. Por outro lado, até certo ponto, é uma coisa natural, porque, para se manter no poder, o PT se transformou em uma máquina partidária.
Na visão do coordenador do curso de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eurico Figueiredo, o retorno das lideranças sociais tradicionais é um fracasso da mobilização política das manifestações de junho passado, que, na sua opinião, não conseguiram gerar capacidade política de criar canais de diálogos com o governo.
Ele explica ainda que a espontaneidade das ruas, que foi vista como algo positivo e aglutinou milhares de pessoas, também foi uma fraqueza, já que não conseguiu catalisar esforços para resolver novas demandas que surgiram depois da redução das passagens de ônibus, a demanda inicial dos protestos:
— O retorno dos movimentos sociais é o fracasso da horizontalidade dos protestos de junho. Esses grupos agora sabem que o caminho é a negociação. Eles voltam às ruas para mostrar ao PT e ao governo que eles ainda precisam ser atendidos.
A fragilidade e a ausência na mesa de negociação ligaram o sinal de alerta do governo e do PT. O próprio ex-presidente Lula, durante encontro petista em São Paulo há duas semanas, reafirmou a necessidade de o partido se “reconectar” com suas bases de luta.
Segundo Esther Solano, porém, os petistas têm a chance de recuperar o contato perdido se tentarem se reaproximar dos movimentos e atender a suas demandas:
— Se não quiser perder conexão com a sociedade, o governo federal tem que assumir o risco das mudanças que os movimentos pedem, principalmente as políticas. Caso contrário, ele corre o risco de se tornar um partido cadavérico, uma estrutura velha, que não responde às demandas sociais.
Na opinião de Eurico Figueiredo, a população percebeu que, seja contra ou a favor da Copa, ela vai acontecer e reunir milhões de apaixonados por futebol — por isso teria caído o número de manifestantes fora dos movimentos sociais organizados agora, em relação aos protestos de 2013.
Outro fator para isso seria a falta de objetivos políticos explícitos.
— Se era o começo de uma grande mobilização contra a Copa, o ponto de partida foi ruim. Esse é o fato, mas ainda não dá para saber como serão os próximos protestos — avaliou Figueiredo. — Além disso, o futebol tem historicamente um elemento de integração, agregador.(Colaborou Célia Costa)
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