- O Estado de S. Paulo
Duas hipóteses podem ser consideradas para explicar a decisão de Dilma Rousseff de nomear uma equipe econômica tida como “neoliberal” para iniciar seu segundo governo. Uma é fraca, a outra, forte.
A primeira exploraria a ideia de que faltam quadros econômicos ao PT ou afinados com o neodesenvolvimentismo social que o partido tem buscado associar a seu programa. Não é uma ideia razoável. Economistas com este perfil existem, em bom número e com boa qualidade. Poder-se-ia dizer que a maioria deles não é suficientemente íntima do circuito partidário e do mundo político, ou simplesmente não está interessada em travar o jogo duro da gestão econômica, preferindo permanecer na condição de críticos e formuladores. Sempre haverá, porém, quem se disponha a colocar o guizo no gato.
Por outro lado, não seria verdadeira a observação de que os economistas “governistas” não teriam “apoio do mercado”, seja porque ninguém sabe bem o que isso significa, seja porque é da natureza de qualquer economista manter relações com empresários e banqueiros, no mínimo por obrigação profissional.
A segunda hipótese é bem mais forte. Ela afirmaria que, em condições de globalização capitalista altamente financeirizada como a que temos hoje, não há muitas estradas em termos de política econômica. Pode não haver um “único melhor caminho” – máxima extravagante, prejudicada pela excessiva generalidade –, mas são efetivamente pequenas as folgas que dariam margem a políticas alternativas. Em matéria de gestão econômica, faz-se o que o rei manda fazer, e este rei, hoje, não é a Presidência da República ou a política, mas o mercado. É bem verdade que o Estado não se tornou um mero refém e tem como dar sua contribuição para regular os apetites do mercado e organizar políticas para toda a sociedade, mas faz isso sem questionar muito os “fundamentos da economia”.
A criatividade governamental, aliás, está precisamente nisso: organizar uma matriz econômica que, por exemplo, se apoie na expansão das despesas públicas sem desorganizar os equilíbrios macroeconômicos. Foi o que disse Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, ontem em Brasília: “O equilíbrio da economia é feito para garantir o avanço das políticas sociais”.
A constatação subjacente à frase é incômoda para Dilma: faltou equilíbrio econômico a seu primeiro governo. Reconhecer isso, mesmo que a contragosto e de forma indireta, é o primeiro passo do “mudar mais” anunciado pela presidente quando candidata. Fato que deixou atônitos muitos petistas, que viram no fato “uma regressão da agenda vitoriosa nas urnas”. Como não houve propriamente uma “agenda” submetida às urnas, ficou o dito pelo não dito.
Dilma faltou com a verdade, na campanha eleitoral, quando insistiu que seu segundo governo evitaria todas as propostas aventadas por seus adversários em matéria econômica. Assustou e intimidou a população ao dizer que as ideias de seus adversários tirariam a comida da mesa dos brasileiros. Fez isso orientada pelo marketing e pela necessidade de forçar uma polarização com Marina e Aécio que nunca chegou a ficar clara e que foi radicalizada pra fins exclusivamente eleitorais.
Ela sabia, como sabiam os demais, que o receituário disponível não oferecia tratamentos alternativos. Terminou, mais depressa do que se imaginava, fazendo exatamente o que disse que não faria.
O problema agora é saber como o trio de ferro da Economia se equilibrará no governo como um todo. Antes de tudo, terá de achar seu lugar e sua autonomia na arquitetura governamental e no Palácio do Planalto. O próprio governo ainda não ganhou fisionomia própria e poderá nascer, em janeiro, com desníveis e imperfeições em maior ou menor número, já que ainda estão sendo jogadas algumas cartas decisivas: as da sintonia fina do Governo com o Congresso, os partidos políticos e o PT.
Será preciso aguardar, portanto, os próximos capítulos.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp
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