• Se não for prontamente revertida, a dimensão política pode contaminar a econômica e vice-versa
- O Estado de S. Paulo
Quando afirma que a crise da economia é conjuntural e passageira, a presidente Dilma comete dois equívocos.
O primeiro é desqualificar a crise e suas proporções; e o segundo, tentar abafar seu custo, como se a atitude do brasileiro devesse se resumir a ter paciência e aguentar por um tempo (curto) algum aperto de cintos. É como se dizia nos velhos tempos: antes de casar, sara.
A crise é grave e pode ser duradoura se a dosagem do ajuste não for alta o suficiente para reverter o atual desarranjo – como tem alertado o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A retomada do crescimento econômico sustentável e do emprego depende da eficácia do corretivo.
Se quis dizer que esta crise é diferente das grandes anteriores, a presidente Dilma não deixa de ter razão. Esta não é uma crise de pagamentos, como a que o Brasil enfrentou no final dos anos 70 e na primeira metade dos 80, a que ficou sendo conhecida como a crise da dívida. Nem se parece com a crise da hiperinflação, que veio em seguida e só começou a ser vencida com o Plano Real, de 1994.
Ela pode, sim, descambar para uma crise de pagamentos (como a da Argentina e da Venezuela) e, também, para uma disparada da inflação, se os dois rombos e o das contas públicas o das contas externas, não forem contidos e revertidos.
O rombo das contas públicas resulta das despesas dos governos mais altas do que a arrecadação. Em 2014 chegou a R$ 330,4 bilhões (inclusive juros). Essa diferença corresponde a 6,1% de tudo quanto o País deve ter produzido também em 2014 (PIB).
O déficit em Transações Correntes (conta do balanço de pagamentos onde são lançadas entradas e saídas de dólares com comércio de mercadorias, serviços e transferências) já ultrapassou os US$ 90 bilhões. Ou seja, a economia está gastando mais dólares do que está faturando, na proporção de 4% do PIB.
Essa diferença está sendo apenas parcialmente compensada com entrada de moeda estrangeira de longo prazo, o Investimento Estrangeiro Direto, que em 2014 chegou a US$ 63 bilhões. Cada vez mais são os capitais especulativos que vêm cobrindo a diferença e estes podem levantar voo a qualquer momento.
Por enquanto, ainda há US$ 362 bilhões em reservas externas, mas esta é uma provisão que pode ficar insuficiente se a dívida do Brasil for rebaixada para o grau especulativo e a crise interna se acirrar, porque as torneiras externas do investimento e do crédito podem se fechar.
Apostar em que será crise conjuntural e passageira, como está sugerindo a presidente Dilma, pode levar a outro equívoco, na medida em que ela ignora a face mais importante do problema: a que envolve as relações de poder. Segunda-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), advertia que “a crise é essencialmente política”.
É uma observação correta e carregada de significado. São duas dimensões muito misturadas da mesma crise. Se não for prontamente revertida, a dimensão política da crise pode contaminar a econômica e vice-versa. E essa mistura pode perpetuar o que poderia ser passageiro e tirar o chão do crescimento e do emprego.
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