- Globo
O país veio sendo informado aos poucos. Mesmo assim, ouvir o depoimento do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco na CPI chocou pela naturalidade com que certos fatos aconteciam. A cobrança de propina passou a ser institucionalizada, endêmica, sistêmica a partir do começo do governo Lula. Para explicar melhor, ele disse: "esse era o Modus operandi A partir de 2003."
Barusco explicou com a frieza de um médico diante de um corpo aberto para a cirurgia. Meio por cento do contrato era para ele; outro meio por cento, para seu chefe Renato Duque; outra parte era para o tesoureiro do PT, João Vaccari, que ainda nega sua participação. Segundo Barusco, tudo foi organizado de forma prática. Deu exemplo: nos estaleiros, para não dar muita confusão financeira, em um deles, o Jurong, pagava-se propina para ele e Duque. No outro, o Keppel, pagava-se ao Vaccari.
Era um roubo assim organizado, com método e técnica. E tudo isso só na diretoria de Serviços. Na de Abastecimento, também era organizado, mas ele não pode dizer os detalhes. Afinal, nada de bagunça com a propina alheia, aquele era o campo de extração de Paulo Roberto Costa. Cada um com sua sesmaria.
De vez em quando aparecia uma palavra animadora no longo depoimento de ontem, em que Barusco foi sempre cooperativo. Ele avisou que não havia cobrança de comissão em todos os contratos. Alguma coisa se salvou. Não havia em todas as diretorias. Partes do corpo não estão infectadas. A carreira na Petrobras é por mérito, as pessoas são promovidas naturalmente, só na diretoria e em cargos mais estratégicos é que são feitas as indicações políticas.
Aos petistas na sessão de ontem restou apenas repetir a mesma pergunta, insistentemente, sobre as propinas que ele recebeu em 97 e 98. Ele sempre respondia que naquele tempo era um "por conta própria". Depois de 2003, passou a fazer parte do grande empreendimento de tirar dinheiro nos contratos da Petrobras para interesses pessoais e para ser entregue aos operadores dos partidos.
Ele esclareceu, para não haver dúvidas, que foi dinheiro para a campanha da presidente Dilma em 2010. Foi pago pela SBM Offshore, empresa holandesa. É bom entender o contexto. O país estava no meio do julgamento do Mensalão, e o antigo tesoureiro do PT Delúbio Soares havia confessado ter recebido dinheiro por fora, não ter informado à Justiça Eleitoral na campanha de 2002, e, na época, era réu. João Vaccari, instalado pela então ministra Dilma Rousseff no conselho de administração de Itaipu, foi escolhido no pressuposto de que não repetiria os mesmos métodos escusos de arrecadação. Estava participando de esquema mais organizado, institucionalizado.
Os bancos sabiam? Diante da pergunta, ele disse que sim. O salário dele de R$ 1,2 milhão por ano não era suficiente para tanto dinheiro que entrava. O resultado do roubo nos contratos foi todo depositado na Suíça. Ele admitiu que esteve lá "para ver se dava para salvar alguma coisa", mas não foi possível. Está sendo repatriado tudo que recebeu, o que, segundo ele, é no montante de US$ 95 milhões a US$ 97 milhões, não sabe ao certo. E as empreiteiras eram achacadas? Não. Elas sabiam que era assim que as coisas funcionavam. "Já vinha no preço".
Houve até um momento que se pode definir como "swap de propina". Barusco tinha a receber uma propina na Schain, e Vaccari tinha a receber na MPE. Como Vaccari tinha mais facilidade na Schain, ele recebeu de lá, e Barusco recebeu da MPE. Essa modalidade de swap é um produto financeiro desconhecido.
Tudo é impressionante. A clareza do depoimento, a certeza da impunidade com que todos trabalhavam, apesar do julgamento do Mensalão no Supremo, o avanço do câncer sobre o corpo da empresa, as entranhas expostas da anatomia do crime.
Os representantes do Partido dos Trabalhadores protestavam dizendo de novo que antes deles havia "engavetadores gerais" e afirmando serem eles os investigadores da corrupção no Brasil.
Não são não. A Justiça é Federal, o Ministério Público é Federal. São poderes autônomos pela Constituição. A Polícia é órgão federal. Eles investigam, denunciam e podem processar. Poderes e órgãos que a República estabeleceu. Que não venha de novo o PT repetir palavras de Luiz XIV. O Estado não é o PT. O Estado é de todos nós.
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