• Alta do desemprego vai prejudicar a negociação salarial e o rendimento vai cair, também corroído pela inflação
Cleide Silva, Tiago Décimo - O Estado de S. Paulo
O professor da Faculdade de Economia da USP, José Pastore, teme que o País, depois de ter vivenciado o apagão de mão de obra em 2010 e 2011, com empresas tendo dificuldade em encontrar trabalhadores em áreas como engenharia e construção civil, enfrente agora um apagão de empregos.
“O emprego está encolhendo rapidamente e não vejo sinais de reversão”, diz Pastore. “Quando temos uma taxa de desemprego elevada e crescente, e um tempo médio de 12 meses para se conseguir um novo emprego, é muito sério e preocupante.” Ele acredita que a taxa de desemprego da Pnad encerre o ano próxima a 9% e só aposta num alívio no mercado de trabalho a partir de meados de 2016, “se o ajuste fiscal der certo”.
Pastore vê como mais preocupante a indústria da transformação, duplamente complicada por estar perdendo empregos e pessoal qualificado. Outro setor em apuros é o da construção civil, há até pouco tempo carente de mão de obra. No primeiro trimestre, segundo dados da Pnad, foram cortadas 132 mil vagas nessa área. Além da redução do ritmo de obras residenciais, o setor enfrenta paradeira por causa da Operação Lava Jato.
Autônomo em reformas em geral é como se define o ex-operário da construção civil Renasci Cunha, de 44 anos, de Salvador (BA). Sem trabalho fixo desde o início do ano, tem se dedicado a fazer bicos e a participar de cursos gratuitos dados por sindicatos e empresas do setor.
Para ele, o maior problema é que a desaceleração da economia brasileira tem feito com que mesmo os bicos não sejam frequentes, e administrar as contas está mais difícil. “A gente tem de cortar tudo”, diz ele, cujo rendimento caiu à metade.
O pedreiro Cassio Lima, de 27 anos, demitido no início do ano de uma empresa que prestava serviços para indústrias do Polo Industrial de Camaçari, também apelou para os bicos para complementar a renda obtida pela mulher, por meio do Bolsa Família. O casal tem dois filhos, de 3 e 6 anos. “Quando não consigo trabalho, passo uns dias na casa da minha mãe – em Teofilândia, 200 quilômetros de Salvador –, para economizar”, afirma. “A gente torce para essa fase (de retração da economia) passar logo.”
No pior primeiro trimestre registrado no mercado de trabalho na Bahia nos últimos dez anos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Caged), o Estado teve fechados 10,9 mil postos, 7,6 mil deles na construção civil.
Renda. O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, prevê que a taxa de desemprego da Pnad irá a 7,8% este ano, ante 6,8% em 2014. Em março, ressalta ele, está em 7,9% por questões de sazonalidade.
A alta no desemprego vai prejudicar ainda mais o poder de barganha dos trabalhadores em negociações salariais. Associada à aceleração da inflação, haverá uma perda significativa da renda, que já está em curso.
Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, envolvendo seis regiões metropolitanas, a massa de renda real caiu 3,8% em março, o pior resultado mensal desde o início de 2004. “A deterioração está sendo muito rápida”, diz Romão. Em fevereiro, a renda havia caído 1,5%, mas de março de 2013 a janeiro deste ano os saldos eram positivos.
Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, ressalta que, ao contrário da década passada, a inflação atual está penalizando a população de baixa renda, pois pega alimentos, tarifas públicas e bens industriais. Ele prevê queda de 5% na renda real este ano, puxada também pelo baixo reajuste do salário mínimo.
Já o desemprego, em sua opinião, não será generalizado, a não ser em segmentos específicos, como o automotivo, que passará por uma reestruturação independente da crise. Dedecca não vê riscos de um apagão na mão de obra. “Nesse momento não cabe nem otimismo nem pessimismo, mas não creio que chegaremos à situações como a crise do início dos anos 80, quando 1 em cada 4 trabalhadores da indústria perdeu o emprego.”
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