• Grampos, intrigas e troca de acusações ameaçam a Operação Lava-Jato no momento em que as investigações se aproximam do ex-presidente Lula e da campanha da presidente Dilma Rousseff.
Rodrigo Rangel e Hugo Marques - Revista Veja
Um exército de advogados dos maiores e mais conceituados escritórios do país esquadrinha há mais de um ano os processos da Operação Lava-Jato em busca de algo que possa ser usado na Justiça para tentar questionar a validade das investigações sobre o maior escândalo de corrupção da história do país. É a única chance que os advogados têm de livrar da punição exemplar seus clientes, empreiteiros, políticos e funcionários públicos corruptos, que desviaram mais de 6 bilhões de reais dos cofres da Petrobras. É também a última esperança de proteger a identidade dos mentores e principais beneficiários do esquema que usou o dinheiro dos brasileiros para enriquecer e comprar o poder. Até hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram todas as incursões nessa direção.
Na semana passada, o empresário Ricardo Pessoa, apontado como o chefe do clube das empreiteiras envolvidas, assinou um acordo de delação premiada, confessou sua participação no crime e se comprometeu a contar o que sabe — e o que ele sabe implica no caso o ex-presidente Lula, a campanha da presidente Dilma e alguns de seus principais assessores. A colaboração de Pessoa levará os policiais e os procuradores à derradeira fase da investigação, ao iluminar o caminho completo trilhado pelo dinheiro roubado e permitir que se rastreie com precisão a cadeia de comando. De onde menos se esperaria, surge agora uma incursão que pretende pôr tudo isso a perder.
Com o conhecimento do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o comando da Polícia Federal em Brasília está investigando sigilosamente os delegados e agentes envolvidos na Operação Lava-Jato. VEJA teve acesso a informações de uma sindicância aberta pela Corregedoria da PF e conversou com policiais que acompanham e participam da apuração. É preocupante. Segundo os corregedores, o procedimento foi instaurado para apurar "ilegalidades" praticadas pelos colegas do Paraná, onde estão centralizadas as investigações do escândalo da Petrobras. Que "ilegalidades" seriam essas? Os federais de Brasília investigam os paranaenses por supostamente terem instalado escutas para captar clandestinamente conversas de presos e dos próprios policiais. Uma dessas escutas foi descoberta na cela do doleiro Alberto Youssef, uma das principais testemunhas do esquema de corrupção. Em abril do ano passado, o doleiro encontrou um transmissor de voz escondido sobre o forro do teto de sua cela. Os corregedores apuram denúncias de que os delegados da Lava-Jato teriam colocado o aparelho para obter provas por meio de métodos ilegais. Parece grave — e é —, principalmente pelo que aparenta estar na gênese da investigação. "Isso vai provocar a anulação de toda a Operação Lava-Jato", diz, sob a condição de anonimato, um delegado ligado ao caso. "A situação vai ficar feia. Vai aparecer mais coisa", advertiu em entrevista na tarde da última quarta-feira.
Na quarta-feira à noite, perto das 20 horas, dois policiais encontraram — por acaso — um novo aparelho de escuta na sede da superintendência do Paraná, dessa vez escondido na luz de emergência do fumódromo usado pelos agentes da Lava-Jato. Na mesma quarta-feira, só que no fim da manhã, o ministro da Justiça tinha uma audiência marcada com o delegado José Alberto Iegas, até março deste ano o chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Federal (DIP). Formalmente, o assunto registrado na agenda era "um projeto do ministério para a região de Foz do Iguaçu". O delegado foi atendido por Marivaldo Pereira, o número 2 da pasta. O ministro não pôde participar da reunião devido a um compromisso externo. Perguntado, o delegado confirmou que conversou sobre um projeto do ministério na região da Tríplice Fronteira e também sobre a investigação da corregedoria. Ainda nessa quarta-feira, ele também esteve com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, para tratar dos mesmos assuntos. À noite, a nova escuta foi encontrada por acaso, embora em Brasília já houvesse gente sabendo que iria "aparecer mais coisa".
O delegado Alberto Iegas tem tudo e nada a ver com a investigação da Corregedoria da PF. Embora não participe formalmente do caso, ele é amigo, parceiro e o fiador da principal testemunha do caso, o agente que denunciou a existência das escutas. Dalmey Fernando Werlang, até semanas atrás, integrava o núcleo da Operação Lava-Jato. De repente, ele rompeu com o grupo e passou a acusá-lo de ilegalidades.
Dalmey é um especialista em operações de inteligência, e a peça-chave de uma história que envolve traição, espionagem e suspeitas de corrupção policial — convergindo para uma ação paralela que, declaradamente, tenta minar a Lava-Jato. Dalmey prestou um depoimento em 4 de maio passado acusando os delegados da Lava-Jato de terem mandado plantar a escuta na cela do doleiro Alberto Youssef. O agente afirma que foi ele próprio quem instalou o aparelho, clandestinamente, por ordem dos delegados da Lava-Jato. Às declarações de Dalmey se soma um segundo depoimento, prestado pelo delegado Mário Fanton, também oriundo da Lava-Jato. Por ordem do diretor-geral da PF, os testemunhos do agente e do delegado deram origem a uma investigação interna. A partir dos depoimentos da dupla, a Corregedoria-Geral da Polícia Federal, responsável por apurar desvios cometidos por integrantes da corporação, abriu um inquérito e, na semana passada, dois delegados foram enviados para investigar a conduta dos colegas que estão no comando da Lava-Jato. Por ordem de Brasília, computadores da superintendência foram lacrados e apreendidos pelos delegados da corregedoria, que também foram orientados a tomar o depoimento de todos os policiais que atuam na Lava-Jato. O objetivo é comprovar que a operação, como já se tentou falar muitas vezes, estaria repleta de irregularidades.
A corregedoria investiga também a "suspeita" de que o resultado de uma sindicância feita pelos policiais do Paraná para tentar apurar as responsabilidades pela espionagem na cela de Alberto Youssef teria sido forjado para proteger os envolvidos. E explicita mais um exagero: a sindicância teria sido forjada com o aval do juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Lava-Jato. "O Moro chancelou uma sindicância irregular", disse a VEJA um delegado que trabalha no caso. No comando da PF em Brasília, chegou a ser discutido o afastamento imediato do superintendente de Curitiba e dos delegados encarregados da Lava-Jato. Temendo a repercussão política da medida, porém, optou-se por aguardar o resultado do trabalho da corregedoria. Oficialmente, o discurso é outro. Leandro Daiello, o diretor-geral da PF, afirmou a VEJA que não há "razões legais, processuais ou administrativas" para o afastamento dos delegados da Lava-Jato.
O caso ganha contornos ainda mais intrigantes quando se vai ouvir os policiais paranaenses. Descobre-se, em Curitiba, que lá existe uma investigação interna para apurar a venda de informações. No ano passado, a força-tarefa que investiga o escândalo da Petrobras desconfiou que detalhes reservados do caso estavam sendo repassados aos investigados. Um inquérito examina essas suspeitas, que vão de vazamentos da operação a venda e a produção de dossiês contra os investigadores da Lava-Jato. Há nomes de empreiteiras, advogados e policiais que fariam parte desse esquema. Um delegado e um agente, cujo nome é mantido em segredo, já foram apontados como suspeitos. Os federais do Paraná não têm dúvidas. As ações representam um conjunto de interesses que convergem para o mesmo ponto: a tentativa de comprometer a Operação Lava-Jato. O grupo investigado é, de acordo com a apuração, movido por diferentes interesses. Alguns de seus integrantes estariam empenhados em coletar indícios de irregularidades na Lava-Jato para negociar essas informações com os investigados, outros seriam movidos por interesses políticos ou por mera disputa de poder, e outros ainda — os mais ardilosos — enxergam a oportunidade de salvar da cadeia os amigos, os aliados políticos ou parceiros.
A prova de que há algo realmente muito estranho é que existe um relatório do próprio agente Dalmey que desmente o agente Dalmey. Em maio do ano passado, um mês após a descoberta da escuta na cela de Youssef, o policial garantiu que o aparelho encontrado estava na carceragem havia anos e que já nem tinha mais condições de funcionar. Fora colocado lá por ordem judicial, quando estava preso o traficante Fernandinho Beira-Mar — e depois desativado. Sobre Alberto legas não pairam suspeitas de negociação de informações, mas ele é apontado, por exemplo, como amigo do ex-deputado petista André Vargas, hoje preso, e também é próximo de outros personagens envolvidos nas negociações de dossiês. Além disso, estaria movido pela disputa de poder: ele é desafeto dos atuais chefes da Polícia Federal em Curitiba e teria interesse, portanto, em derrubar o comando da superintendência — e, por tabela, os delegados encarregados da Lava-Jato. "Sempre tive uma carreira ilibada, sem nenhuma mácula, e qualquer suspeita contra mim me deixa indignado", defende-se o delegado Iegas.
Em privado, delegados próximos da cúpula da Polícia Federal admitem que o objetivo da "operação paralela" é carimbar a Lava-Jato com suspeitas de irregularidades — o que, fatalmente, abriria caminho para questionamentos judiciais sobre a operação e poderia resultar, em última análise, em sua anulação. Para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, ainda que se comprove a suspeita de que teria havido interceptação ilegal na Lava-Jato, isso não seria suficiente para desqualificar toda a operação. "Se essa prova paralela não representa o início da investigação, então ela é declarada nula, sem prejudicar as demais provas", diz o ex-ministro. Para o delegado aposentado Jorge Pontes, ex-diretor da Interpol, o jogo está claro: "A minha suspeita é que haja um grupo de pessoas já cooptadas para tentar minar e comprometer a Operação Lava-Jato. Neste momento em que a sociedade brasileira tem uma expectativa histórica de que o país deixe de ser vítima de corrupção institucionalizada, isso aí é uma tentativa da corrupção institucionalizada de criar no seio da polícia uma contenda que tem a intenção de jogar alguma dúvida sobre essa investigação".
Com reportagem de Alexandre Hisayasu
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