O 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, iniciado ontem, é um dos mais importantes de sua história. É o primeiro em que o partido está às voltas com o declínio, após 12 anos no poder, e mergulhado em uma profunda crise de identidade. As teses do Congresso que importam, as do "O Partido que Muda o Brasil", corrente majoritária que reúne os líderes que estiveram ou estão no poder (Lula, Aloizio Mercadante, Jaques Wagner, Fernando Pimentel), se estendem sobre o mal-estar profundo na nação petista. "Perdemos o frescor da juventude", diz o manifesto do grupo. "Estamos sofrendo há algum tempo um processo de envelhecimento que não nos trouxe a maturidade suficiente". O que sairá desse exame de consciência não se sabe. Aonde vai o discurso do PT, por necessidade é fácil discernir - para a esquerda. No curto prazo, o PT terá de sustentar o governo de Dilma e seu ajuste ortodoxo, seja como for, na esperança que a maré de baixa passe.
O PT perdeu poder no Congresso e deixou de ter o domínio das ruas. A ala majoritária avalia que a tarefa do partido de imediato é "dupla e complexa": apoiar o governo e, simultaneamente, "empurrá-lo para que cumpra o programa" pelo qual foi eleito. Esse é o álibi para blindar o governo de Dilma no partido, que sofre críticas radicais das correntes à esquerda. O espaço da discordância é circunscrito ao fato de que os movimentos sociais foram alijados das decisões do ajuste e que ele até agora excluiu o sacrifício dos setores de alta renda da sociedade.
Por isso, a parte das propostas econômicas da corrente majoritária é uma longa lista de aumento de impostos - sobre grandes fortunas, sobre heranças, sobre lucros e dividendos, nas alíquotas do Imposto de Renda - e a volta da CPMF, promovida surpreendentemente à categoria de tributo "não cumulativo". No resto, é perseverar nas políticas que Lula e Dilma executaram, que incluem conteúdo nacional, regime de partilha no petróleo, redistribuição de renda etc.
O PT não é famoso por sua criatividade econômica e flerta com fantasias como a "reinvenção do mercado" - pela "criação de bancos públicos de financiamento da produção e comercialização, fundos de produção e difusão tecnológica e de assistência técnica e de compras públicas". É um endosso à contribuição de Hugo Chávez para a teoria econômica.
O pragmatismo de Lula, candidato à sucessão de Dilma, sempre ignorou estes devaneios da esquerda. O eterno programa econômico do PT pressupõe a intervenção cada vez mais profunda do Estado em todos os setores de atividade. Foi isso que lá atrás, na "Carta aos brasileiros", com a guinada de Lula, foi jogado fora, possivelmente para sempre.
Mas a linguagem da Carta de Salvador é mais radical, prega a "Pátria socialista", menciona o imperialismo e outros demônios familiares porque está voltada para o público interno e a disputa de espaço com correntes como Mensagem ao Partido, ao qual pertencem ministros de governos petistas, que apontam a criminalização do PT como fruto da "ação da oposição política-midiática neoliberal-conservadora e da instrumentalização para fins partidários de setores do Judiciário e da Polícia Federal".
A retórica serve para preparar o terreno para uma nova estratégia eleitoral que permita ao partido se manter no poder, a da frente popular. É preciso criar "uma frente democrática e popular, de partidos e movimentos sociais", entre outras coisas, para "impor uma situação de cerco ao Estado oligárquico". Para a corrente majoritária, a coalizão para governar funcionou bem quando a economia ia bem e agora não funciona mais. O mea culpa da ala majoritária para os males do partido tem ranços autoritários. Foi um erro não democratizar os meios de comunicação e não reformar as estruturas do Estado. "Em contraposição aos processos vividos por outras nações latino-americanas sob governos progressistas, o PT e as administrações sob sua liderança deixaram, na prática, de alterar instituições e instrumentos de poder das velhas oligarquias", diz a Carta.
Ao encarar a necessidade de renovação, a ala majoritária empreende uma fuga para o passado. É um beco sem saída, puro discurso para animar a militância. Se PMDB e outras legendas se desgarrarem do governo na arena eleitoral, restará ao PT buscar uma frente no "campo popular" - sempre mais vasto do que a denominação sugere.
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