sábado, 13 de junho de 2015

Marco Aurélio Nogueira - A longa e difícil marcha do PT rumo à recomposição

- O Estado de S. Paulo

No discurso que pronunciou na abertura do 5º Congresso do PT, ontem, em Salvador, Lula fez questão de repetir um bordão que tem estado presente no imaginário recentemente construído pela direção partidária e vem sendo aceito sem muita contestação pela militância petista: o partido é o alvo preferencial de uma mega-operação destinada a destruí-lo. No comando dela, a mídia. Lula foi categórico: o PT tem vencido e avançado em que pese a imprensa ter decretado sua inviabilização. “Neste mês de junho — disse –, completam-se dez anos que a imprensa começou a decretar a morte do PT”. Na visão de Lula, aceita pelo conjunto do partido, o PT enfrenta “a mais sórdida campanha de difamação que um partido já sofreu neste país.”

É evidente que o PT não morreu. Sob certos aspectos, está mais vivo do que nunca: ocupa há 12 anos o governo federal, tem milhões de aderentes, é uma força política que mostra capacidade de permanência e de resistência a problemas e adversidades. Mas está precisamente aí, neste prolongamento da vida do partido, a raiz de seus problemas atuais. Se morto estivesse, o PT conheceria a paz dos cemitérios e dormiria o sono dos justos. Não precisaria lamber em público suas feridas, nem se contorcer para encontrar o oxigênio que lhe é indispensável.

Com a verve, a contundência e a elegância costumeiras, o cientista político Carlos Melo foi direto ao ponto no Estadão de hoje: o PT continua vivo, mas o enfraquecimento é real e a legenda está “sem discurso, argumentos e perspectiva política”. Sobram-lhe o exibicionismo retórico, o empenho para manter viva uma imagem de inimigo e um “otimismo prêt-à-porter” que, “entre bikes e anúncios de concessões, o marketing oficial tenta esboçar”.

A crônica do 5º Congresso — que, segundo línguas informais, foi definido pelo ex-ministro José Dirceu como um “convescote” — dá conta de que os delegados aprovam resoluções que atenuam a crítica à política econômica e defendem uma nova política de alianças, a ser sustentada por uma frente de partidos de esquerda e movimentos sociais. Ou seja, uma volta às origens. Depois de ter, a duras penas, aderido à ideia de que governos democráticos devem dialogar e atuar em uma frente de partidos democráticos, o PT conclui que é preciso estreitar o leque e escolher melhor os parceiros, deixando de fora os que não são de esquerda. Não esclarece, porém, qual será o critério para estabelecer quem é ou não é de esquerda.

O Congresso vocaliza uma preocupação sincera e generalizada de sair do enrosco em que se encontra, afetado por denúncias de corrupção e responsabilizado pelos desacertos governamentais. Busca-se compreender o que levou ao desabamento geral dos índices de aprovação do PT e do governo Dilma, fato que sugere que a vida do partido não será fácil nos próximos meses ou anos. O fantasma de uma derrota contundente nas eleições municipais de 2016 incomoda, pois anteciparia o julgamento popular do desempenho do partido, a ser feito em 2018. As correntes partidárias, porém, batem cabeça, não conseguem encontrar um ponto de equilíbrio que forneça uma perspectiva e unifique o partido.

Situações de crise aguda são complicadas para todos. Tendem a ser mais dilemáticas quanto maior é o organismo de que se trata. O gigantismo adquirido gradualmente pelo PT ao longo de sua trajetória é ao mesmo tempo sua maior força e seu principal problema. O partido inchou ao se tornar organismo de massa, incorporou legiões de pessoas atraídas pelo carisma da legenda, pelas promessas feitas em suas campanhas e pelas expectativas de ascensão profissional por meio da ocupação de cargos públicos. Inevitável que tenha sido assim. Mas as direções partidárias não cuidaram como deveriam nem de seus assuntos político-organizacionais internos — a queda nas malhas dos mecanismos de corrupção de que está impregnado o sistema político brasileiro é somente um indicador disso –, nem muito menos da educação política de sua militância. O petista típico é um simplório político: maniqueísta, sempre necessitado de um inimigo exclusivo e sempre propenso a responsabilizar os outros por suas falhas e limitações, dogmático em excesso, muito autocentrado, desatento às mudanças estruturais em curso e às novas formas do capitalismo, sem ideias claras a respeito das possibilidades efetivas de um reformismo socialista.

A conduta do partido, seus discursos oficiais, a fala de suas principais lideranças, reforçam essa mentalidade. Em parte porque a cultura partidária não se renovou: o mundo mudou muito, mas o petismo se enrijeceu, burocratizou-se na abordagem crítica dos processos sociais e de si próprio. E em parte porque o partido se aproximou sem cautela da prática cotidiana de governo, cuja positividade dá pouca margem a esforços críticos e autocríticos. O PT se entregou compulsivamente ao pragmatismo e à luta pela sobrevivência como força governamental, perdendo vínculos sociais, vivacidade interna e identidade. Ainda hoje há dirigentes do partido que pensam que entre o governo e o PT não podem nem devem existir diferenças: seriam carne da mesma carne, corpos que caminham abraçados, misturando-se entre si.

O fraseado de Lula de que “temos de estar sempre vigilantes, corrigindo nossos erros, mudando o que for preciso e conversando sempre com o povo mais humilde, com o povo trabalhador que tanto necessita do nosso partido”, ressoou no Congresso, mas não parece colado à realidade dos últimos anos. Não serve para impulsionar uma perspectiva.

A crise não prejudica somente o PT. Ela alimenta a perda de credibilidade da política e dos políticos. Na esteira estendida pelas dificuldades petistas pegam carona tanto a crise da representação, quanto a desilusão com a esquerda e a problematização da democracia política. A ideia mesma de partido político vai a reboque. Perdem muitos, não somente o PT. Precisamente por isso devemos todos acompanhar com atenção e interesse as resoluções que sairão de seu Congresso.

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da UNESP

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