Após a revelação pelo GLOBO de que o Itamaraty tentou impedir a divulgação de documentos sobre a Odebrecht, alegando que poderiam criar problemas para o ex-presidente Lula, o ministério ontem decidiu liberar os papéis. A presidente Dilma cobrou explicações do chanceler Mauro Vieira.
Operação abafa estancada
• Após reportagem do GLOBO, Itamaraty diz que vai liberar papéis que podem ligar Lula à Odebrecht
Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut – O Globo
BRASILIA - Um dia depois de O GLOBO revelar a existência de um memorando interno do Itamaraty sugerindo manter em sigilo informações que poderiam envolver o ex-presidente Lula com a empreiteira Odebrecht, o Ministério das Relações Exteriores anunciou que vai liberar todos os documentos reservados produzidos entre 2003 e 2010 que citam a empreiteira. A liberação dos papéis, no entanto, ainda depende de pedidos ao ministério com base na Lei de Acesso, o que vai levar mais alguns dias.
Os documentos haviam sido solicitados por um repórter da revista "Época" via Lei de Acesso, mas o diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, ministro João Pedro Corrêa Costa, suspendeu a entrega solicitando que os papéis fossem reavaliados para possível reclassificação como registros "secretos" o que impediria a divulgação.
O Itamaraty não viu problemas na conduta do diplomata, mas o Palácio do Planalto pensa de modo diferente. Atese difundida pelo Planalto é que o diplomata pode ter agido com intenção de gerar um fato para prejudicar Lula e manchar a imagem do governo. Para auxiliares da presidente Dilma, João Costa agiu sozinho ou seguindo ordens de alguém de baixo na hierarquia do Itamaraty.
Dilma mandou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pedir explicações ao chanceler Mauro Vieira. O ministro das Relações Exteriores disse que desconhecia o pedido. Lula também foi procurado por assessores de Dilma e ficou irritado, dizendo que o governo tinha que divulgar tudo, e que não há nada que possa incriminá-lo.
Itamaraty vê "processo normal"
Em nota, o Itamaraty sustentou que o memorando divulgado pelo GLOBO faz parte de um "processo normal de consulta interna" "O Ministério das Relações Exteriores reitera o seu comprometimento inequívoco com o respeito e a observância do princípio democrático da transparência de que se imbui a Lei de Acesso"." O ministério alega que a reportagem do jornal é imprecisa e "induz o leitor a uma interpretação equivocada de procedimento administrativo rotineiro, regular e previsto em lei"."
A nota cita dois artigos da Lei de Acesso, mas nenhum deles faz referência à imagem de ex-presidente da República, argumento utilizado pelo diretor de Comunicações para pedir a reavaliação dos documentos. Segundo o Itamaraty, a lei estabelece que a reclassificação levará em conta "as peculiaridades das informações produzidas no exterior por autoridades ou agentes públicos"."
"Tal reavaliação também é fundamentada na necessidade de preservar informações sensíveis sobre personalidades públicas estrangeiras ainda em atividade, bem como para preservar dados comerciais de empresas brasileiras cuja divulgação possa afetar sua competitividade"," diz a nota.
A chancelaria brasileira não vai abrir qualquer apuração sobre a conduta do ministro João Pedro Costa. A avaliação do Ministério das Relações Exteriores é a de que o diplomata não cometeu irregularidade, e agiu de acordo com as funções.
O pedido de informação feito pelo jornalista Filipe Coutinho, da revista "Época"" citava apenas documentos que faziam referência à Odebrecht. O nome de Lula só surgiu no memorando do DCD, quando o diretor do departamento pediu a reavaliação do material que já estava pronto. O diplomata alegou que o autor do pedido já tinha escrito reportagens sobre ligações de Lula com a empreiteira.
O pedido de acesso aos documentos foi apresentado no início de maio. O prazo final para resposta do Itamaraty venceu em 8 de junho. Neste dia, o autor do pedido foi informado de que seria atendido, mas seriam necessários mais 10 dias para processamento dos documentos. A Lei de Acesso prevê que a resposta deve ser dada em até 30 dias. O Itamaraty pediu um prazo adicional, não previsto na legislação, de mais 10 dias. No dia seguinte (9 de junho), o diretor do DCD fez o memorando. Ontem, diante da exposição do caso, o jornalista foi informado de que poderá pegar os documentos segunda-feira.
A "Época" condenou o comportamento do diretor do DCD. "Consideramos a atitude do servidor do Itamaraty grave. Ela é contrária aos valores republicanos da impessoalidade e da transparência, consagrados pela Constituição e respeitados cotidianamente pelos demais diplomatas brasileiros. "Época" confia na capacidade do Ministério das Relações Exteriores de esclarecer o episódio e, ademais, ceder acesso aos documentos públicos pedidos, dentro da lei, por nossa reportagem".
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