Andrea Jubé e Cristiane Agostine – Valor Econômico
SALVADOR - Em evento marcado pela recepção morna à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por críticas da militância ao anfitrião - o governador da Bahia, Rui Costa -, os petistas aprovaram ontem, em Salvador, um documento que preserva o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e faz uma crítica amena à política econômica, sem mencionar o ajuste fiscal. O partido fará a defesa do governo, mas intensificará os acenos à esquerda, num esforço de reaproximação de sua base social, como quer Lula. Até o fechamento desta edição, nem Lula nem Dilma haviam discursado.
Em crise com o PMDB, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi prestigiado ao subir ao palco ao lado de Dilma e Lula. O presidente do PT, Rui Falcão, fez um desagravo ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso durante investigações da Operação Lava-Jato. "Ele foi preso sem provas na tentativa de criminalizar o nosso partido", defendeu.
Preso desde abril, o nome de Vaccari foi citado por um dirigente mais cedo no congresso, o que levou a uma ovação em pé, por quase três minutos.
Rui Costa foi alvo dos correligionários. Militantes da juventude negra e dos direitos humanos não o deixaram discursar, gritando "Cabula, Cabula", em alusão ao bairro de Salvador onde 12 jovens foram mortos em ação da Polícia Militar contestada pela Anistia Internacional e investigada pelo Ministério Público.
Mais cedo, em entrevista à imprensa, Falcão disse que a participação de Dilma facilitou "muito o diálogo" com o partido. Segundo o dirigente, o carinho que se dispensou a ela "cria um clima mais favorável" para que o partido continue defendendo o governo.
Mas em seu discurso na abertura do evento, na presença de Dilma, Lula, ministros, governadores e cerca de 600 delegados, Falcão deixou claro que, embora leal ao governo, o PT marcará posição nas questões mais caras ao partido. O recado busca acalmar os insatisfeitos com as medidas impopulares dos primeiros meses do segundo mandato de Dilma, que restringiram direitos trabalhistas e indispuseram os petistas com seu eleitorado.
"O PT não deixará de defender suas posições", disse Falcão, citando como exemplo o projeto de lei que aprova as terceirizações em todas as áreas trabalhistas. O dirigente observou que se o Senado aprovar o texto como veio da Câmara dos Deputados, o PT pedirá a Dilma que vete a matéria. "Não podemos terceirizar tudo derrogando a legislação conquistada na época do Getúlio".
Em demonstração de que o partido pretende resgatar o elo com a esquerda, e para isso, irá elevar a pressão sobre o governo, Falcão disse que é "inconcebível uma política econômica que seja firme com os fracos e frouxa com os fortes". Em outras palavras, o PT intensificará as ações pela aprovação de medidas que taxem o "andar de cima".
"O partido acha urgente, ainda, a instituição do imposto sobre grandes fortunas, grandes heranças e sobre lucros e dividendos para alavancar o modelo de desenvolvimento sustentável com justiça social", diz a "Carta de Salvador". O texto também defende a elevação do teto da alíquota do Imposto de Renda, a fim de aliviar a carga tributária sobre a produção e salários.
"O PT não acredita que é possível retomar o crescimento provocando recessão", prosseguiu Falcão, no discurso que fez aos militantes. "Nem que se possa combater a inflação com juros escorchantes e desemprego de trabalhadores e máquinas", completou. Falcão disse que não existe "fatalidade" que justifique um governo a ceder às "pressões do mercado" e recorreu até mesmo ao Papa Francisco para dizer que o desemprego é "o resultado de um sistema econômico que tem em seu centro um deus falso chamado dinheiro".
Em meio às denúncias de corrupção, a "Carta de Salvador" faz uma autocrítica tímida sobre os atos ilícitos atribuídos a petistas históricos, alguns condenados no julgamento do mensalão. "Cometemos erros, mas é fundamentalmente por nossas virtudes que as forças conservadoras nos atacam e almejam nossa destruição", diz o documento.
Em seu discurso, Falcão reforçou a afirmação de que o PT é vítima de uma campanha de "criminalização". Segundo o dirigente, "nunca como antes, porém, a ofensiva de agora é uma campanha de cerco e aniquilamento". E completou: "como já tentaram no passado, querem acabar com a nossa raça. Para isso, vale tudo. Inclusive, criminalizar o PT", disse.
Durante o dia, movimentos anti-PT fizeram protestos e provocaram petistas. Houve confusão e briga entre militantes e integrantes de grupos que pedem o impeachment da presidente Dilma.
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