- O Estado de S. Paulo
• O discurso de que viria aí um ajuste temporário e de que logo a economia voltaria a crescer perdeu sentido
Perdeu sentido o discurso de que viria aí um ajuste temporário e de que logo mais a economia voltaria a crescer, a produzir empregos e o salário deixaria de ser tão carcomido pela inflação.
Foi o que a presidente Dilma e seus ministros da área econômica repetiram ao longo do primeiro semestre deste ano. "Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar. Mas lhe peço paciência e compreensão, porque esta situação é passageira. O Brasil tem todas as condições de vencer estes problemas temporários. (...) As dificuldades são conjunturais, esperamos uma primeira reação já no final do segundo semestre deste ano", disse a presidente Dilma em seu pronunciamento de 8 de março.
Não era só uma conversa para enganar os trouxas. Era uma convicção da presidente, partilhada pelos ministérios da área econômica e pelo Banco Central.
Agora, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, entoa um hino diferente. Vem repetindo, antes à voz pequena e agora a plenos pulmões, que há um "desequilíbrio estrutural na área fiscal". A despesa pública tende a crescer mais do que o PIB e mais do que a arrecadação. É claro, sempre dá para cortar os gastos. Mas não dá para superestimá-los. A tampinha é sempre uma insignificância diante do tamanho da garrafa.
Grande parte desse desequilíbrio foi exacerbada pela política econômica irrealista iniciada em 2009 e mantida no primeiro mandato da presidente Dilma, que o ministro Guido Mantega denominou pomposamente de Nova Matriz Macroeconômica. Baseou-se no alargamento das despesas públicas, no pressuposto de que era necessário alavancar o consumo para movimentar a atividade econômica e garantir o emprego. O resultado foi o aprofundamento do rombo que a baixa da maré expõe com crueza.
O desequilíbrio estrutural do setor fiscal, alargado pelo diagnóstico errado e pelas decisões mais erradas ainda na administração das contas públicas, tem a ver com o sistema que criou a montanha de direitos sociais e econômicos sem contrapartida na receita. Durante alguns anos, essa deficiência foi disfarçada pelo grande boom das commodities, que criou renda e espalhou dinheiro até mesmo pelos grotões do Brasil. Mas, agora que a China vai reduzindo seu ritmo, não dá mais para contar com esse efeito.
Problemas estruturais não se resolvem com gambiarras. "Ou mudamos a fiação ou dará curto-circuito", avisou o ministro Levy, nesta segunda-feira. Exigem reformas estruturais. Todos sabemos do que se trata, mas não custa repetir: reforma da Previdência, do setor tributário, do Estado, das leis trabalhistas; reforma política, mais acordos comerciais e abertura da economia.
O diabo é que não se vê disposição do governo nem do Congresso em votá-las. Ao contrário, as iniciativas vão na direção oposta: na criação de mais despesas, como se viu na flexibilização do fator previdenciário, até mesmo com o voto do PSDB em cujo governo foi criado.
Como a percepção dos políticos e da sociedade sobre esses problemas estruturais é fraca, a economia precisa piorar muito mais, antes que se gere essa consciência e que se mobilizem as forças para produzir a virada.
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