- Folha de S. Paulo
• Ao alardear seu voto sobre o aumento dos juros, diretor do Banco Central põe a imprensa dentro da sala do Copom e fere a independência do órgão
O diretor da área externa do Banco Central, Tony Volpon, na semana passada, cometeu a grave bobagem de antecipar a analistas de mercado e à imprensa seu voto na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que começa nesta terça-feira (28).
"Eu, pessoalmente, vou votar para o aumento de juros até que a nossa projeção esteja de uma maneira satisfatória apontando para o centro da meta", disse após evento em São Paulo, segundo o jornal "Valor Econômico". Esse vazamento subverte o rito de definição da taxa básica de juros e deve ser condenado.
O Copom não é lugar para amantes da vuvuzela. Justificativas posteriores baseadas em teorias arcanas ou "eu quis dizer outra coisa" não cabem. No comitê, criado no governo Fernando Henrique Cardoso, a ideia é que seus membros decidam seus votos com base na exposição técnica do estafe do banco.
Os diretores devem entrar na reunião do Copom sem qualquer decisão –isso garante, em tese, que o voto do colegiado será técnico, sem influência prévia de mais ninguém. Não se trata de um formalismo. É uma das formas de garantir a independência do órgão.
Ao alardear seu voto, o diretor põe a imprensa dentro da sala do Copom. E se algum deles divergir publicamente do colega? Vão debater previamente no Jornal Nacional?
Além disso, adiantar o voto mexe nos valores dos contratos de juros futuros. Para os grandes operadores, isso pode significar ganhos elevados. A ideia do Copom sempre foi a de evitar qualquer risco desse tipo. No governo FHC era proibido discutir matéria do comitê antes da reunião e, uma vez votada, era imediatamente divulgada pelo Sisbacen, o sistema de informações do Banco Central. Ou seja, possibilidade zero de vazamento.
O Senado é o órgão responsável pela aprovação dos diretores e pelo acompanhamento da política monetária. Por isso pedirei que o Senado e a Comissão de Assuntos Econômicos da Casa se pronunciem sobre o episódio e sobre o mérito da decisão que o BC venha a tomar.
Como o diretor do banco alardeou, o resultado mais provável da reunião do Copom será mais um aumento dos juros básicos da economia: 0,25 ou 0,5 ponto percentual. Se será uma ou se será outra é a chique controvérsia do momento.
Tenho reparos a qualquer elevação agora da taxa Selic. Os quatro principais fatores que costumam justificar a elevação dos juros hoje estão ausentes: economia aquecida, inflação de demanda, estresse no balanço de pagamentos e baixo diferencial de juros com o exterior.
Infelizmente, na atual quadra, é o contrário: 325 mil empregos formais foram destruídos no trimestre abril/junho, reforçando a queda do PIB, que vai atingir 2,5% neste ano.
A inflação continuou pressionada, sim, mas em razão da inevitável (e saudável) desvalorização do real e do efeito da correção de tarifas e preços administrados, que foram segurados na marra nos últimos anos. O deficit externo em conta corrente vai baixar devido ao câmbio e à retração da economia, sem contar que a distância entre os juros brasileiros e externos já é abissal.
Pior ainda, cada novo aumento de um ponto da Selic eleva as despesas do governo em R$ 15 bilhões (anualizados)! Meio ponto a mais custa R$ 7,5 bilhões. Um quarto, R$ 3,75 bilhões. Mixaria, pensaria o diretor do BC que abriu seu voto.
A triste realidade é que, hoje, juros em alta deprimem ainda mais a atividade econômica e a arrecadação. Do outro lado, aumentam as despesas. Turbinam, assim, o deficit público e o desajuste da economia, além de inibirem o investimento produtivo.
De fato, a política do Banco Central desestabiliza a relação dívida/PIB: essa proporção chegará a dois terços no final do ano. Os custos da dívida vão subir, isto é, a despesa de juros chegará a 8,5% do PIB –a maior do mundo!– e o deficit público agregado (nominal) totalizará 8,35% do PIB no fim deste ano!
É esse o deficit que importa: não adianta o primário descer pela escada e o nominal subir pelo elevador.
Por fim, nem todos perdem com aumentos desnorteados dos juros básicos. Há quase R$ 900 bilhões em operações compromissadas –dívida realizada pelo Banco Central com o mercado financeiro para controlar a quantidade de dinheiro da economia. Além de R$ 500 bilhões de dívida atrelada à Selic. Todo esse passivo de prazo curtíssimo e custo enorme para o Estado traz, sim, ganhos siderais para os que estão do outro lado, e são pouquíssimos.
Os juros são instrumento poderoso de controle da inflação. Mas, se usados com inépcia, terminarão por quebrar o país.
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José Serra é senador pelo PSDB-SP. Foi ministro da Saúde e do Planejamento e Orçamento (governo FHC), prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010)
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