• Personagens Fernando Collor, Eduardo Cunha e Luiz Inácio Lula da Silva. Os três políticos criticaram, por razões diferentes, o Ministério Público e a Polícia Federal
• Feita dentro da legalidade, a ação coordenada da Policia Federal e do Ministério Público gerou uma crise no curto prazo - mas pode ser o marco de um processo de depuração no país
Um terremoto varreu Brasília na semana passada. Em ação coordenada, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal cumpriram uma série de mandados de busca e apreensão contra um grupo de políticos. Entre eles estavam os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI). O Congresso reagiu como se a instituição houvesse sido atacada. Na grita contra a Polícia Federal e a PGR, os parlamentares investigados ganharam a companhia do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele foi acusado, numa delação premiada, de pedir US$ 5 milhões em propinas. Para completar, o Ministério Público abriu um Procedimento Investigatório Criminal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O MP suspeita, como ÉPOCA noticiou em abril, que o ex-presidente pode ter praticado tráfico internacional de influência em favor da empreiteira Odebrecht. A exemplo de Cunha e Collor, Lula criticou os investigadores.
A soma de tudo isso gerou uma crise em Brasília. Essa crise pode ser entendida de duas maneiras - como fica claro ao longo de várias reportagens que estão nesta edição de ÉPOCA. No curto prazo, criou-se uma turbulência política, com o rompimento de Eduardo Cunha com o governo. Essa turbulência, como rastreou a agência de classificação Moody"s, pode afetar a economia . No longo prazo, o terremoto pode representar uma depuração no país. A investigação sobre os políticos vem sendo realizada com respeito a todos os procedimentos legais . Por causa da Lava Jato, alguns homens de Collor na Petrobras já foram afastados . É um começo. Que continue.
A ação da polícia contra os políticos foi arbitrária?
• Não Havia abundância de provas - como ÉPOCA revelou com exclusividade - e respaldo do Supremo Tribunal Federal
Filipe Coutinho – Época
Eram 4 horas da madrugada da terça-feira, dia 14. Depois de 13 dias de preparação, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal iniciavam uma ação coordenada. Cerca de 50 policiais estavam no auditório da Superintendência Regional da PF no Distrito Federal, para repassar as missões. A reunião de orientação dos policiais apresentava os últimos detalhes da Operação Politeia, desdobramento da Operação Lava Jato e primeiro grande passo na investigação contra políticos. Alguns dos investigadores ficaram 40 horas acordados, entre preparar e executar a operação. Chegaram ao limite da exaustão, mesmo sabendo que a investigação ainda tem muito a avançar. Um grupo de procuradores participou da reunião na PF, incluindo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Às 5 horas, Janot encerrou sua fala, e os policiais e procuradores foram às ruas cumprir mandados de busca e apreensão contra um grupo de políticos. Entre eles estavam os senadores Fernando Collor (PTB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Bezerra (PSB-PE) e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). Em Curitiba, a força-tarefa responsável pela Lava Jato, àquela hora, já sabia que em um par de dias outro alvo dos investigadores seria alcançado pelo escândalo. O empresário e delator do esquema Júlio Camargo, da Toyo Setal, afirmou na quinta-feira que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB--RJ), pediu a ele US$ 5 milhões em propinas. Tudo somado, a Lava Jato atingiu o Congresso - e a crise policial pode gerar uma crise política.
A gritaria no Legislativo foi imediata. Eduardo Cunha atribuiu a delação a uma ação coordenada de Janot com o Planalto, para enfraquecê-lo - e anunciou seu rompimento e retaliações (leia mais na página 44). Ignorou o fato de que a delação fora prestada ao juiz Sérgio Moro e coordenada pela frente da força-tarefa de Curitiba, que já mandou para a prisão o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Janot, é certo, fez dessa investigação uma causa pessoal, e a presidente Dilma Rousseff, com seu círculo mais próximo, regozija-se com o novo desdobramento do caso. Nada disso muda a realidade de que há indícios contundentes contra congressistas.
Collor também retornou a seu velho ato de misturar grandiloqüência verbal e ataque destemperado aos que considera oponentes (desta vez, os investigadores), em vez de explicar os fatos. "Fui humilhado", disse o ex-presidente, logo após a operação. "Isso é degradante, isso é atitude de covardes, de facínoras que se dizem democratas, que se aproveitam da democracia, mas que, na prática, aplicam a autocracia e dela se aproveitam", disse. O ex-presidente afirmou que a ação dos procuradores tem intuito "mesquinho e mentiroso". Ele apelou ao corporativismo dos congressistas. "Não se iludam, pois ninguém está livre disso. Daqui mesmo desta Casa, novas vítimas podem sair, novas histórias poderão ser maldosamente construídas." Cunha foi na mesma toada de Collor. Acusou Janot de usar ameaças contra delatores, a fim de obter confissões falsas, e disse haver no Palácio do Planalto um "bando de aloprados". O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também reagiu. "Causam perplexidade alguns métodos que beiram a intimidação", afirmou, em nota. E classificou as ações de policiais e procuradores como "violência contra as garantias constitucionais em detrimento do estado democrático de direito". As reclamações dos parlamentares, porém, chocam-se com a robustez das provas contra eles.
A investigação mostra, em detalhe, fluxos de dinheiro que passam por envolvidos no desvio de verbas da Petrobras, como o doleiro Alberto Youssef e o empreiteiro Ricardo Pessôa, e terminam engordando contas bancárias e patrimônio de parlamentares, como ÉPOCA on-line revelou na quinta-feira passada com exclusividade. Por causa dessa fundamentação sólida, a PF conseguiu autorizações de três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. As autorizações permitiram o cumprimento de 53 mandados, componentes de seis inquéritos diferentes na Operação Lava Jato. Teori, famoso pelo estilo comedido, mostrou-se satisfeito com as provas da operação até agora, que considera numerosas e consistentes, e afirmou que, cada vez que os investigadores "puxam uma pena, vem uma galinha".
Collor não ousou criticar Teori, relator da Lava Jato no STF, que julgará os detentores de foro privilegiado eventualmente denunciados por Janot. Assim como Cunha silenciou sobre Moro. Se Collor ler a decisão de Teori, saberá que todas as "arbitrariedades" de que acusa a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a PF foram autorizadas pelo ministro. Na operação desencadeada naquela madrugada, havia um alvo especial: a Casa da Dinda, residência de Collor. O ex-presidente removido do cargo em 1992 conseguiu a proeza de entrar novamente para a história política, em um novo verbete. Da Casa da Dinda saíram uma Ferrari, um Lamborghini e um Porsche, levados pela PF. Nisso não houve nenhum abuso ou espetacularização Era uma ordem expressa de Zavascki, e não um arroubo de policiais e procuradores. Há suspeita de que sejam fruto de lavagem de dinheiro.
Collor é suspeito de receber propina por meio de contratos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. O algoz de Lula na campanha de 1989 tinha dois indicados na diretoria da empresa, Luiz Cláudio Caseira Sanches, ex-diretor da rede de postos de serviço, e José Zonis, ex-diretor de Operações e Logística, ambos ainda atuantes na companhia. Além dos dois, atuava em nome de Collor um operador, figura conhecida de seu período na Presidência da República, o ex-ministro Pedro Paulo de Leoni Ramos.
Segundo a investigação, Collor se valia de uma empresa de fachada para lavar dinheiro. Trata-se da empresa Água Branca Participações, usada pelo senador para comprar um Lamborghini (R$ 3 milhões), uma Ferrari (R$ 2 milhões), um Bentley (R$ 1 milhão) e um Range Rover (R$ 570 mil). "Trata-se, provavelmente (...) de "pessoa jurídica de fachada", usada especificamente para lavagem de dinheiro", afirma o relatório da investigação . Há mais. O Bentley foi pago por uma firma chamada Phisical Comércio, sediada em São Paulo. Era mais uma empresa de fachada. Tinha dois sócios, que morreram em 2013, não tem funcionários, nem registro na Receita. Apesar de não existir, a Phisical recebeu R$ 930 mil das empresas de Youssef há dois anos.
Segundo a investigação, um contrato de ao menos R$ 140 milhões, firmado com uma rede de postos da DVBR Derivados, ligada ao banco BTG Pactuai, era uma das origens da propina - como ÉPOCA revelou em fevereiro. O BTG negou qualquer conhecimento das acusações feitas por Youssef.
De acordo com Youssef, delator na Lava Jato, a propina foi de R$ 6 milhões. Ele não é o único delator a complicar Collor. Rafael Angulo, responsável pelas entregas de dinheiro a mando de Youssef, descreveu uma entrega de R$ 60 mil. O relatório da delação surpreende pela forma prosaica com que parece ser tratado um malote de dinheiro vivo. "O declarante disse: "eu trouxe sessenta, o senhor sabe?"; Que ele respondeu: "Sei" (...) o declarante entregou o valor diretamente para Collor (...) Collor pegou os valores e apenas disse "tudo bem" (...) Collor não contou os valores e apenas colocou ao lado."
Uma terceira trilha de dinheiro aponta o rumo do senador. Ricardo Pessôa, presidente da empreiteira UTC e também delator, diz que pagou pelo menos R$ 20 milhões de propina a um diretor da BR Distribuidora - também indicado por Collor. "O declarante sabia que por trás da indicação de (José) Zonis (funcionário de carreira da Petrobras e ex-diretor de Operações e Logística da BR Distribuidora) estava Collor, do contrário não aceitaria pagar 20 milhões de propina", diz trecho do pedido de Janot de autorização do STF para a ação policial. A investigação descobriu ainda que Collor fez sucessivos depósitos em dinheiro vivo nas contas de suas empresas. Para isso, usava dois assessores do Senado, a fim de fracionar os depósitos. Entre 2011 e 2014, os valores somam R$ 770 mil. "Os fatos se relacionam a complexo esquema de recebimento e repasse de valores ilícitos para várias pessoas, mediante a utilização de diversas empresas, com a finalidade de ocultar a origem e o destino final dos recursos envolvidos", afirma o relatório dos procuradores. Diante de tantas evidências, a PF obteve autorização também para fazer buscas nas residências de Zonis e Sanches. A Petrobras informou que ambos foram, agora, afastados dos cargos que ocupavam na empresa - eles deixaram a diretoria da BR Distribuidora em 2013.
Com a mesma leva de mandados, a PF visitou um colega de Collor, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Ele estava escovando os dentes quando foi informado por uma funcionária de que havia um delegado no portão. Quando saíram, os policiais levavam dezenas de milhares de dólares, dinheiro que Nogueira havia separado para viajar com a família para o exterior nesta semana. Ele é suspeito de receber R$ 2 milhões em propina, segundo transcrição inédita da delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessôa, da UTC. Segundo o empresário, Nogueira havia pedido o dinheiro alegando precisar ajudar um parente com problemas de saúde. "Ciro Nogueira se mostrou agradecido, afirmando que "haveria contrapartida", afirma o relatório da Procuradoria. De acordo com Ricardo Pessôa, a casa do senador em Brasília - a mesma que recebeu a visita de policiais - era o local das entregas. Foram três, totalizando R$ 1,4 milhão. O empreiteiro disse ainda que uma pessoa chamada "Fernando" era o responsável pelo recebimento. Os investigadores não se contentaram com as palavras de Pessôa, como tanto reclamam os críticos da delação premiada. Em diligência na casa do senador, descobriu-se um Golf estacionado na garagem, registrado em nome de um Fernando Mesquita, ex-assessor de Nogueira quando ele era deputado.
Outro delator, Rafael Angulo, disse que fez entregas no mesmo endereço. A ordem era do doleiro Alberto Youssef, e o dinheiro também vinha de Pessôa, da UTC. Os depoimentos dos delatores convergem. Uma anotação de Angulo obtida pelos investigadores trata da entrega de valores na casa de Nogueira, com a observação de "Fernando". Além das entregas em dinheiro vivo, Pessôa disse ter feito um contrato fictício de R$ 780 mil com um escritório de advocacia apontado por Nogueira. O contrato foi entregue aos investigadores. O senador nega. "Com relação às afirmações feitas pelo delator Ricardo Pessôa divulgadas na imprensa, esclareço que as acusações são totalmente infundadas, sem base em qualquer prova, e que confio plenamente que, ao final desse processo, a verdade irá vir à tona e corrigir a injustiça de que estou sendo vítima", afirmou.
Na Câmara, o principal alvo da Operação Politeia foi o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). Ele é duplamente suspeito, acusado de receber dinheiro para melar uma CPI da Petrobras em 2009 e de ganhar propina com o esquema que a CPI deveria descobrir. De acordo com a investigação, o doleiro Carlos Habib Chater usou seu posto de gasolina para fazer dois depósitos em 2011, totalizando R$ 46 mil. O destino do dinheiro foi uma empresa de Eduardo da Fonte, a ADPL Motors. Essa mesma empresa foi usada, depois, para bancar a campanha do deputado em 2014, com doação de R$ 250 mil. "A necessidade de busca e apreensão nos endereços da empresa ADPL surge da necessidade de que sejam colhidos outros elementos de convicção referentes aos depósitos já identificados e, eventualmente, de outros fatos de natureza semelhante", diz o pedido do procurador-geral da República. Em nota, o deputado disse estar "à disposição da justiça para colaborar no que for possível para esclarecer logo todos os fatos". "Esclarecer os fatos" é o objetivo central da Lava jato em sua nova fase.
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