Divórcio e isolamento
• Cunha anuncia rompimento com governo, mas PMDB e aliados afirmam que foi "gesto pessoal"
Isabel Braga, Simone Iglesias, Fernanda Krakovics, Maria Lima, Cristiane Jungblut, Júnia Gama e Washington Luiz – O Globo
BRASÍLIA - Acuado pela denúncia de que teria cobrado US$ 5 milhões do lobista Júlio Camargo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou ontem o rompimento formal com o governo de Dilma Rousseff. Apesar de ter conseguido maioria na Casa para impor sucessivas derrotas ao Palácio do Planalto no primeiro semestre, Cunha recebeu modestos e dispersos apoios em sua decisão. A cúpula do PMDB, a começar pelo vice-presidente Michel Temer, que preside a legenda, imediatamente demarcou a posição dele como pessoal, distinta da do partido. O Planalto incentivou o isolamento de Cunha, destacando que "ministros e parlamentares do PMDB tiveram e continuam tendo um papel importante" no governo. Líderes dos partidos da base tentaram conter o incêndio e, quase uníssonos, reiteraram o alinhamento a Dilma, mesmo reconhecendo que Cunha pode dificultar a vida do governo no segundo semestre, agravando a crise política.
Cunha apresentou documentos para acusar o governo de estar por trás de pedido de informações da Receita Federal sobre suas contas. Na avaliação de ministros próximos à presidente, o fato é "terrível" para o governo, ainda que enfraqueça politicamente Cunha. Para o Planalto, o rompimento era a única saída política de Cunha diante de uma denúncia tão direta de recebimento de propina. O governo espera denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente da Câmara nos próximos dias e acha que ele tenta se "vitimizar", criando uma cortina de fumaça.
- O ideal seria céu de brigadeiro para aprovar os projetos (no Congresso), mas, para o que ele (Cunha) estava virando no cenário nacional, é bom para o governo. Ele se enfraquece - disse um ministro.
Mesmo no PMDB, o rompimento foi considerado uma demonstração de descontrole. A nota divulgada pelo vice Michel Temer, presidente do PMDB e articulador político do governo, deu o tom no partido, dizendo que a iniciativa de Cunha "é a expressão de uma posição pessoal, que se respeita pela tradição democrática do PMDB". Temer ressalta, no entanto, que "toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido".
O rompimento foi discutido na noite de quinta-feira, em jantar no Palácio do Jaburu, residência de Temer. O vice recebeu Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O presidente da Câmara comunicou que não tinha mais condições de permanecer na base do governo. Segundo relatos feito ao GLOBO, Temer ainda tentou, em vão, demovê-lo do anúncio de ontem, repetindo o apelo interno que tem feito pela "sobriedade" do PMDB em momento tão delicado. O vice deixou claro que não abandonará a coordenação política, como Cunha quer, e que conta com o apoio de ministros peemedebistas.
- É uma decisão isolada de Cunha. Todos nós temos que ter juízo com o momento que estamos vivendo. O PMDB não está no governo, é governo - reforçou o ministro Hélder Barbalho (Pesca).
Nem mesmo o PMDB do Senado, onde o presidente Renan Calheiros tornou-se um grande crítico de Dilma, aderiu a Cunha em sua estratégia radical. Renan cancelou uma coletiva de imprensa que daria ontem pela manhã e optou por divulgar uma nota crítica à gestão de Dilma, mas sem se expor como Cunha. À tarde, se reuniu com senadores mais próximos, como Romero Jucá (PMDB-RR), Delcídio Amaral (PT-MS) e Edison Lobão (PMDB-MA). Todos repetiram o tom ponderado.
- Não é o momento de romper. Esse é um momento muito delicado para a gente jogar gasolina na fogueira - disse Jucá.
- Se o PMDB fez uma aliança com o PT, tem que sair da forma como entrou, pela porta da frente, não num momento de dificuldade - avaliou o líder do partido no Senado, Eunicio de Oliveira (CE).
Nem mesmo o maior aliado de Cunha no Congresso, o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), o apoiou. Dirigentes dos partidos da base, como PDT e PP, mantiveram apoio ao governo, embora achando que a situação de Dilma vai piorar. Eles rejeitam, no entanto, a tese de que Cunha tenha de se afastar do cargo, como defenderam o PSC e o PSOL.
Beneficiária mais clara da crise, a oposição manteve cautela desde quinta-feira. O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), demonstrou preocupação:
- A gente sai de uma crise política para virar agora uma crise institucional. Temos que agir com responsabilidade. Não estou aqui para passar a mão na cabeça de ninguém, mas que o curso normal do processo de investigação avance sem interferência e manipulações e buscando a verdade dos fatos.
Entre as principais lideranças da Câmara, apenas o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), divulgou nota em apoio a Cunha
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