- Valor Econômico
• Votação estreita margem para rejeição do Congresso
Advogado de delator é o Ministério Público. Foi assim que o advogado do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, que fez ontem o primeiro depoimento no acordo de delação premiada, justificou a decisão de deixar sua defesa.
A frase escancara os dilemas da advocacia que tem um pé nos embargos auriculares e outro nos prazos de prescrição, mas também revela os poderes da instituição que ontem reconduziu Rodrigo Janot para o topo da lista de candidatos à Procuradoria-Geral da República.
Um dos alvos mais emblemáticos da operação, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reconheceria os poderes da instituição ao contratar para defendê-lo um ex-procurador-geral da República. Manobraria ainda para fazer de um de seus advogados o indicado da Câmara ao Conselho Nacional do Ministério Público, que fiscaliza a atuação dos procuradores.
O avanço da delação premiada faz de Janot o mais poderoso procurador-geral da República desde que a nova configuração do cargo foi estabelecida pela Constituição de 1988.
Desde então, o Congresso nunca deixou de confirmar uma indicação do presidente da República para o cargo. Talvez porque em nenhuma dessas ocasiões houvesse tantos parlamentares bem postos sujeitos ao seu crivo. Janot arrisca-se a enfrentar a resistência de seus alvos, mas se esperar por sua aprovação no Senado para denunciá-los pode sugerir que foi feito refém.
A eventual rejeição do Senado ao seu nome não resolve os problemas dos parlamentares acossados pela Operação Lava-Jato. Qualquer outro da lista não haverá de fugir da nova engrenagem judicial. A exclusão daquele que, entre os quatro, era o mais crítico à força-tarefa de Curitiba, não deixa dúvidas de que a instituição está unida pela preservação de suas prerrogativas.
O Ministério Público é movido pela colaboração com delegados, juízes e órgãos de controle dentro e fora das fronteiras, mas, sobretudo, pelo novo perfil dos seus profissionais. Noventa por cento dos integrantes do Ministério Público Federal ingressaram na carreira depois da redemocratização quando a Justiça passou a ser mais pautada pelo resgate da cidadania que pela defesa do Estado de direito.
Pesquisa conduzida pela Escola Superior do Ministério Público da União esmiuça o perfil de uma carreira cuja escolha tem na 'possibilidade de transformação social' um motivo duas vezes mais determinante que a estabilidade no cargo. A delação premiada é defendida por 97% deles.
Os protestos os têm respaldado. Na primeira leva de manifestantes na rua em 2013 muita gente só veio a se inteirar de que havia uma proposta para limitar o poder de investigação do Ministério Público depois do desfile de cartazes contra a PEC 37.
Esse respaldo pode levá-los a excessos, como o do atual procurador que chegou a posar com o cartaz "Janot, você é a esperança do Brasil", mas as acusações de que extrapolam para o arbítrio não têm sido acolhidas pelos tribunais superiores. Dos 330 habeas corpus requeridos pela defesa dos réus da Lava-Jato, apenas 11 foram acolhidos.
Nem sempre foi assim. No mais emblemático embate das duas instituições, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia de corrupção apresentada pelo procurador-geral Aristides Junqueira contra o ex-presidente Fernando Collor.
O procurador-geral seguinte, Geraldo Brindeiro, não enfrentou o mesmo problema até porque preferia arquivar as investigações a oferecer denúncia. Exerceu três mandatos seguidos, todos no governo Fernando Henrique Cardoso, que rejeitou pressão para nomear um egresso da lista tríplice montada pela associação de classe.
As insatisfações acumuladas por procuradores que viam represadas suas ambições para chegar ao topo da carreira nasceu o grupo do tuiuiú, uma desengonçada ave do Pantanal com a qual era comparado o decano deles, Cláudio Fonteles. O tuiuiú foi o primeiro a assumir a PGR como o mais votado da lista tríplice. O governo petista que inauguraria a prática foi alvo, no mandato seguinte, de Antonio Fernando de Souza, na denúncia do mensalão.
Os eleitos da lista levam anos para se consolidar. Todos os indicados, desde Fonteles, constavam da lista tríplice do biênio anterior. Havia um acordo para que não ficassem mais de um biênio. Assim dariam mais oportunidades de ascensão para o grupo. Souza romperia o acordo com a recondução. E também inovaria ao aceitar advogar, depois de aposentado, para um alvo do quilate de Eduardo Cunha.
Seu sucessor, Roberto Gurgel, sairia como o mais desgastado deles. Recuaria da denúncia contra o ex-ministro Antonio Palocci, acusado de multiplicar o patrimônio por 20 em quatro anos como deputado federal e hesitaria na investigação do senador Demóstenes Torres, que acabaria cassado por favorecimento a negócios de Carlinhos Cachoeira. Enfrentou ainda questionamentos internos da corporação pela política de compras instituída na PGR.
Janot foi de 511 votos em 2013 para 799 ontem. Alcançou o maior percentual de votos (42%) na história da lista tríplice na eleição que também teve um comparecimento inédito da corporação - 79% dos 1244 procuradores. O resultado imuniza a presidente Dilma Roussef contra pressões parlamentares anti-Janot, além de estreitar a margem de manobra do Congresso para rejeitar um nome majoritariamente respaldado pela corporação.
A acachapante recondução de Janot e a ampliação das delações premiadas tendem a reforçar a amplitude da Lava-jato e aumentar a incerteza que ameaça a sobrevida dos acordos políticos como aquele que ontem mobilizou Michel Temer.
O vice-presidente apelou contra a chamada pauta-bomba do Congresso ao ver a situação passar de uma 'crisezinha' para uma grave crise. Não foram os indicadores fiscais que se agravaram nesses 15 dias, mas a imprevisibilidade dos rumos da Lava-Jato.
O instrumento que tanto reforçou os poderes do Ministério Público, ganhou novo escopo com a legislação aprovada a toque de caixa pelo Congresso em resposta às manifestações de junho de 2013. O acordo ainda deve tardar, mas parece haver poucas dúvidas de que sairá do forno com uma pitada de povo.
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