- O Estado de S. Paulo
A engenhosidade do PMDB é ser, ao mesmo tempo, o problema e a solução, o veneno e o antídoto para o presidente da vez. Como a trama não pode parecer chantagem, os personagens se alternam nos papéis. Quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é o "bad cop", o presidente do Senado, Renan Calheiros, é o policial bonzinho. Só Michel Temer, o vice, não muda. Está sempre equidistante, como redinha em mesa de pingue-pongue.
Cunha começou o ano legislativo atropelando o governo com ímpeto de seleção alemã na Copa. Quando Dilma Rousseff olhou o placar, já era goleada. Em abril, para cada 3 deputados que votavam ao menos dois terços das vezes seguindo a orientação do governo, 5 tinham comportamento oposto. A taxa de governismo na Câmara era de 60% – ela terminara o primeiro mandato com 74%. Dilma tinha apenas 75 deputados em quem podia confiar 90% das vezes, quase todos petistas. Em caso de pedido de impeachment, ela estaria praticamente uma centena de votos a descoberto.
Para não ter o mesmo destino de Felipão, a presidente nomeou Temer coordenador político. É um nome pomposo para quem atende pedidos de parlamentares liberando verbas e fazendo nomeações. A partir do momento que Dilma emprestou sua caneta para o vice cometer bondades, a taxa de governismo do PMDB na Câmara passou a crescer a cada votação. Em semanas, a obediência do partido ao Planalto pulou de 55% para 73%. Era o toma lá dá cá habitual. Mas no meio do caminho havia um delator.
No começo de julho, explodiu a notícia que todo mundo em Brasília cochichava como boato: o lobista Júlio Camargo disse em depoimento ao juiz Sérgio Moro que Cunha havia pedido US$ 5 milhões para liberar um contrato de navios-sonda da Petrobrás para a empresa Toyo Setal. O dinheiro, segundo o delator, foi pago via doleiro Alberto Youssef. Havia urgência, contou Camargo, porque os dólares seriam usados na eleição.
O presidente da Câmara passou à berlinda. Agora, ele também corria risco de cassação. Defendeu-se como sabe fazer melhor: atirando. Acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de obrigar o delator a mentir. Insinuou uma tramoia em que Dilma estaria por trás de tudo, oferecendo a Janot reconduzi-lo ao comando do Ministério Público em troca de ele "constranger o Legislativo". Cunha declarou-se rompido com o governo e foi preparar o troco. Mas veio o recesso e o impasse ficou suspenso.
Enquanto na Câmara a batalha de Cunha contra o governo era gritante, o Senado, na surdina, aprovava um aumento de gastos públicos atrás do outro. O que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, economizava em cortes de despesas com infraestrutura e programas sociais, os congressistas repunham com aumentos salariais de servidores públicos e de benefícios para aposentados. O ajuste fiscal mostrou-se enxugamento de gelo.
Com a perspectiva de Levy equilibrar o orçamento da União ficando cada vez mais improvável, aumentou o pessimismo em relação à economia. As projeções de uma data para a retomada do crescimento foram todas adiadas, mais de uma vez. O desemprego cresceu, a renda do trabalho caiu e a desconfiança do consumidor aumentou. Na razão inversa, a popularidade de Dilma despencou ao patamar mais baixo de um presidente desde Fernando Collor.
Nesse cenário, Dilma e Cunha retomam seu duelo para ver quem desequilibra o outro primeiro. Também acossado pela Lava Jato, Renan é apresentado como muleta para amparar a presidente. Mas o governo pode atender só parte das contrapartidas para o senador. Está impedido de interferir nos inquéritos contra ele. À medida que a investigação se eletrifica, a muleta pode dar choque.
No dia 16, Dilma sofrerá empurrão com força proporcional ao tamanho dos protestos – enquanto espera Janot denunciar ou não Cunha e/ou Renan. O primeiro a cair pode ser o único.
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