• Luciana poderá protelar decisão tanto quanto Gilmar
- Valor Econômico
A ação que contesta o financiamento empresarial de campanhas eleitorais está suspensa há 16 meses por iniciativa do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. A ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Luciana Lóssio, não tem imperativos regimentais para encerrar seu pedido de vista na ação de impugnação da chapa presidencial. Se este alcançar a mesma duração daquele em curso no STF, a presidente Dilma Rousseff terá ultrapassado a primeira metade do seu mandato.
Na hipótese de o julgamento, ao ser retomado, concluir pela reabertura das contas de campanha já aprovadas pelo tribunal e a ação seguir os trâmites da Casa, com os prazos para defesa e recursos, a chapa a ser impugnada terá tido a oportunidade de cumprir seu mandato.
A celeridade que se tentou dar ao processo na Justiça Eleitoral aconteceu num momento de arrefecimento do impeachment no front parlamentar. O avanço dos acordos para a repatriação de divisas e a elevação dos tributos do sistema financeiro, a liberação de emendas parlamentares e o amadurecimento de soluções para recolocar as empreiteiras da Lava-Jato de volta ao jogo mediante venda de ativos, demonstram um fôlego que o governo, a despeito dos esforços em sentido contrário, ainda tem.
Ao suspender o julgamento no STF, que já tinha maioria contrária ao financiamento empresarial, Gilmar Mendes contava com o avanço da Lava-Jato a favor de sua tese. Agora Mendes parece se valer da pressão da Lava-Jato no sentido inverso, de pressionar Luciana a agir com a celeridade contra a qual se blindou. Na acareação da semana, o doleiro Alberto Youssef mencionou a emergência de um novo delator a corroborar com o repasse de propina para doações eleitorais da chapa de Dilma.
A Constituição prevê que o mandato pode ser impugnado por fraude, corrupção ou abuso de poder econômico. A ação de impugnação de mandato promovida pelo PSDB é de fevereiro de 2015, mas carece de provas que ainda estão por ser colhidas no processo iniciado na Justiça Federal do Paraná.
O TSE é um tribunal conservador, menos exposto à judicialização que o Supremo, talvez porque se confronte com a soberania diretamente conferida pelo voto. A rejeição das contas de um candidato não o impede de ser diplomado nem mesmo de ser considerado quite com a Justiça Eleitoral. Se hoje o tribunal acumula um número crescente de candidatos e eleitos cassados, é pela observância das leis da Ficha Limpa e de compra de votos aprovadas pelo Congresso. Por isso, o movimento em curso no TSE surpreende, pelo ineditismo, até mesmo juízes com longa militância no combate à corrupção.
A disposição do ministro Gilmar Mendes de levar a cabo a cassação da chapa presidencial parece contar, entre os sete votos do plenário, apenas com a adesão inconteste do ministro João Noronha, que deixa o tribunal em outubro. Para liderar o conjunto do plenário, Mendes enfrentará o déficit de decoro na função, tanto por continuados pronunciamentos fora dos autos como pela falta de transparência nas relações com partes envolvidas em processos que julga.
Reforma administrativa
A presidente Dilma Rousseff fez o movimento inverso àquele que pautou os meses derradeiros do governo Fernando Collor. Depois de passar a tesoura na estrutura do governo ao tomar posse, montando ministérios como o da Economia (Fazenda e Planejamento) ou Infraestrutura (Transportes, Minas e Energia, Comunicações), o ex-presidente os desmembrou na tentativa de angariar apoio político no Congresso.
A reação dos partidos aliados face ao temor de perder cargos às vésperas das eleições municipais é um sinal de que Dilma ainda encontra ilhas de blindagem no terreno minado por onde transita seu mandato. É preferível manter cargos sem verbas, a perdê-los.
Um ministro do Supremo Tribunal Federal situa na limpeza promovida na Petrobras, ao final do primeiro mandato, a origem da crise que agora compromete o governo. A profissionalização da estatal secou o amálgama da gigantesca base que se manteve aliada na reeleição na tentativa de recompor outras fontes de recursos.
A crise fiscal e a Lava-jato impediram essa recomposição e levaram a crise a adentrar o segundo mandato. A ameaça de reforma administrativa eleva a tensão, mas tem poucas chances de ser levada adiante pela ausência de capital político.
No final do seu primeiro mandato, Dilma recebeu da Casa Civil a simulação de uma reforma que reduziria os 39 cargos com status de ministro para 25. A proposta fundia, por exemplo, Integração Nacional e Desenvolvimento, Ciência & Tecnologia e Comunicação, Aviação Civil, Portos e Transportes, Trabalho e Previdência.
O autor da proposta, consultor legislativo do Senado e um dos maiores especialistas em administração pública da Casa, Luiz Alberto dos Santos, à época lotado na Casa Civil, considerou chute qualquer estimativa de economia, mas manifestou a certeza de que, para ser efetiva, qualquer reforma teria que passar pela redução dos cargos de confiança.
Em artigo em que compara as burocracias americana e brasileira ("Burocracia profissional e a livre nomeação para cargos de confiança no Brasil e nos Estados Unidos", disponível na rede"), Santos diz que a diferença extrapola a magnitude dos cargos comissionados - a proporção é de cinco (Brasil) para um (EUA).
Em toda parte, as nomeações políticas têm por objetivo fazer com que os eleitos desfrutem de liberdade para compor as estruturas de comando. Mas se nos Estados Unidos os cargos de confiança funcionam como contrapeso do poder da burocracia, no Brasil, a administração pública tem menos mecanismos de controle para evitar que cargos de confiança se destinem a traficar interesses pelo Estado.
Dois terços deles são exercidos por servidores públicos. A proposta posta em curso no atual governo corta uma fatia mínima do terço restante. No dia em que foi anunciada, nomeações há muito represadas no balcão da articulação política foram liberadas. Não chega a ser uma contra-reforma, mas escancara as resistências à mudança de um país que tem um punhado de diretores de carreira de sua elite administrativa na cadeia.
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