quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Míriam Leitão - Crises gêmeas

- O Globo

Os economistas têm uma lista enorme de projeções ruins e estão certos. Alguns estavam certos antes, quando avisavam. Eles apontam para a política como a fonte da incerteza econômica. Os políticos acham que a economia, com sua coleção de más notícias, é a fonte da incerteza política, por ter derrubado o apoio à presidente Dilma. Os dois lados têm razão. As crises gêmeas se fortalecem.

A retomada dos trabalhos no Congresso depois de uma breve pausa trouxe de volta o risco de surpresas que afetam os cofres públicos. Como o Brasil está com déficit primário e precisa urgentemente reordenar suas contas, a escalada de aumento de despesas alimenta a dúvida sobre a sustentabilidade fiscal do país. O Congresso está para votar a mudança na remuneração do capital investido no FGTS. A correção baixa do Fundo de Garantia é uma velha distorção do Brasil. Mas o governo está tentando convencer os líderes aliados de que neste momento isso só vai criar mais um desequilíbrio.

O Congresso vai analisar o veto da presidente Dilma ao projeto que estende a todos os aposentados a correção real do salário mínimo; decidir se aprova ou não a redução da desoneração da folha salarial; analisar o veto ao reajuste dos servidores do Judiciário. Vai instalar CPIs com o poder de criar problemas para o governo, principalmente depois que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deixou o PT de fora do comando da CPI do BNDES e da CPI dos Fundos de Pensão.

No Congresso, os políticos acham que a economia só tem dado desgosto aos eleitores. A inflação é alta demais, e a recessão está se aprofundando com aumento do desemprego. Só isso já seria o suficiente para que até os políticos da base se afastassem do governo. Ontem foi divulgada a produção industrial de junho, fechando o primeiro semestre. Foi um tombo de mais de 6%, que só perde para o primeiro semestre de 2009, no auge da crise financeira global.

Quem olha para o mundo não entende o Brasil. A inflação anual dos países da OCDE é de 0,6%, mas, se excluirmos a energia, a taxa sobe um pouco porque os preços da energia estão em queda. Essa situação é oposta à nossa. A deflação da energia foi de 9,3% nos países da OCDE, e a queda chegou nos Estados Unidos a 15% em 12 meses terminados em junho. Estamos em uma direção, e o mundo em outra.

O mundo não é culpado pelos nossos problemas e são poucos os países onde os índices de preços estão em alta. O Brasil, com o seu índice em 8,9%, só perde para a Rússia. Nos países do G-20, a inflação anual está em 2,6%. A Rússia está com 15,3%, a maior do grupo. A Índia está com uma taxa de 6,1%, mas já foi mais alta. A China está com 1,4%.

O desconforto econômico aumenta a instabilidade política, que eleva a incerteza econômica. Nesta zona de turbulência entre as crises gêmeas, as duas estão se alimentando. As respostas que o governo tem dado à crise econômica são claramente insuficientes, mas a reação do Congresso tem reduzido o efeito das poucas medidas que poderiam ajudar a debelar a crise.

Neste segundo semestre, haverá várias fontes de tensão para as duas áreas. Na política, as votações de temas sensíveis podem piorar a crise. Na economia, há uma safra de números ruins. Se o país perder o grau de investimento, a recuperação ficará mais lenta e mais difícil.

A Operação Lava-Jato espalha seus efeitos na política e na economia, mas nunca é demais dizer que ela é parte do tratamento do paciente e não a doença. Enquanto ela está fazendo seu trabalho, no entanto, a base política fica mais instável e aumenta a incerteza da economia. Mas a crise atual não resulta da Lava-Jato. Ela tem raiz nos erros de política econômica, nos sucessivos equívocos gerenciais e na inabilidade da presidente de administrar sua base parlamentar.

No detalhe da inflação mundial fica claro como esta crise é feita em casa. O que mais puxa para baixo a inflação dos outros países é o que mais pesa no índice brasileiro: os preços da energia. O tarifaço é muito menos pela falta de chuva e muito mais pelos erros cometidos pela presidente Dilma na mudança que impôs ao setor. Ela quis usar a economia para se alavancar na política e acabou no meio das crises gêmeas.

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