Sem trégua, Cunha articula contra governo
• Na volta do recesso, presidente da Câmara exclui PT do comando de comissões e contempla PSDB e DEM
Júnia Gama e Isabel Braga – O Globo
BRASÍLIA - No primeiro dia de sessão após o recesso parlamentar, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deu demonstrações claras de que não dará trégua ao governo. O peemedebista articulou a exclusão do PT do comando das CPIs do BNDES, dos Fundos de Pensão e dos Crimes Cibernéticos; conseguiu a aprovação de regime de urgência para a análise de contas da Presidência da República de anos anteriores, abrindo caminho para a votação das contas da presidente Dilma Rousseff; e desobstruiu a pauta para votar o quanto antes o projeto que corrige o FGTS pela poupança, um dos maiores temores do governo devido ao impacto nas contas.
Cunha também se recusou a retirar da pauta a PEC 443, que aumenta o teto salarial de advogados públicos e procuradores. Os governistas apresentaram um requerimento para adiar a votação da matéria. Porém, com a base aliada esfacelada, o requerimento foi derrotado. Antes que a PEC fosse votada, ontem à noite, coube ao próprio Cunha adiar para hoje a sua apreciação.
- Não é falta de articulação do governo, é falta de fidelidade da base - reagiu o líder do governo, José Guimarães (PT-CE). - Foi bom esse susto para dizer o tamanho mesmo da base. Daqui por diante, ou é base ou não é. Vamos exigir fidelidade. Você acha que é razoável um partido ter ministro e a base votar contra o governo?
As movimentações de Cunha durante o dia foram recebidas com frustração pelo Palácio do Planalto. Havia uma expectativa de que, após diversos apelos dos articuladores políticos do governo, o presidente da Câmara balanceasse suas decisões neste segundo semestre. Segundo interlocutores do vice-presidente Michel Temer, emissários enviados por Cunha no recesso haviam sinalizado com a possibilidade de diálogo, o que contribuiu para dar uma esperança - que acabou não se confirmando ontem.
- Ficou evidente que ele não vai dialogar com o governo. Agora, é avaliar o que fazer - disse um auxiliar do Planalto.
A preparação das ações contra o governo começou na noite de segunda-feira. Apesar de anunciar que cancelaria o encontro que havia marcado com líderes partidários em razão do jantar oferecido para eles pela presidente, Cunha recebeu na mesma noite líderes da oposição e da base aliada. Nesse encontro, ficou definido que o PT seria excluído dos cargos de comando das CPIs que funcionarão neste segundo semestre, e que seria a vez de a oposição controlá-las.
Segundo o acerto entre os líderes, a presidência da CPI do BNDES ficará com o PMDB e a relatoria com o PR, aliado dos petistas. Na CPI dos Fundos de Pensão, o DEM, mais radical opositor ao governo, terá a presidência e o PMDB, a relatoria. O também oposicionista PSDB comandará a CPI de crimes cibernéticos e o PP ficará com a relatoria da comissão. Já o PSD, aliado do PT, terá a presidência da CPI de maus-tratos aos animais e o PMDB indicará o relator.
José Guimarães demonstrou irritação por ter sido excluído da reunião na casa de Cunha e pela retirada do PT dos comandos das CPIs. Guimarães disse que, se houver exclusão, o governo irá "virar a mesa". Mas há pouco espaço para manobra do Planalto. A definição dos cargos de comando se dá por acordo entre os partidos, e o bloco do PMDB é o maior da Casa. Dele faz parte o DEM. Além disso, PR e PSD são do bloco do PT, o segundo maior; portanto o bloco ao qual pertencem os petistas está sendo atendido em duas comissões.
- Não é razoável fazer uma reunião para excluir outros. Vamos trabalhar para resolver essas coisas que não são boas para o jogo democrático. Se tiver exclusão, a gente vira a mesa. No sertão do Ceará, virar a mesa quer dizer não aceitar imposição de ninguém - afirmou o petista, que admitiu ter havido "desentendimento" com Cunha.
- São os partidos que se entendem. Eles (PT, PR, PSD) têm que se entender no bloco deles. Eu não articulo nada, eu apenas tomo pulso para poder indicar. Cada partido luta pelo seu espaço. O PT não está excluído, está na (relatoria) da Petrobras. Os outros partidos querem participar. Por que o PT tem que ficar com tudo? - disse Cunha.
Outra rasteira de Cunha na pretensão do governo de evitar a votação de projetos que possam comprometer as contas públicas foi a votação de dois projetos sobre terrorismo, que tramitavam com urgência e obstruíam a pauta. Os deputados aprovaram o primeiro e devem concluir a votação do segundo hoje, abrindo espaço para o projeto que corrige o FGTS pela poupança.
Contas: regime de urgência aprovado
A Câmara aprovou ontem o regime de urgência para os quatro projetos de decreto legislativo que recomendam a aprovação de contas da Presidência da República de anos anteriores. Há na lista uma conta do ex-presidente Itamar Franco, uma do ex-presidente Fernando Henrique e duas do ex-presidente Lula. A intenção do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é votar essas contas entre hoje e amanhã. Isso deixa livre o caminho para a apreciação das contas da presidente Dilma Rousseff, que podem ser rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Cunha anunciou que ainda não há decisão sobre o que fazer com contas que têm parecer pela rejeição, como é o caso de uma do ex-presidente Fernando Collor. Apesar do regime de urgência, ainda há dúvidas sobre o que fazer caso a Câmara ou o Senado rejeite uma das contas na votação. Outro percalço para a conclusão dessas votações é o fato de a presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), ter defendido ontem que, constitucionalmente, as contas teriam de passar primeiro pela comissão e anunciado que irá ao STF para que isso ocorra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário