- O Estado de S. Paulo
Se o PT lava as mãos e entrega José Dirceu à própria sorte, o que fará quando, e se, o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava Jato chegarem até o ex-presidente Lula? Ok, Lula é Lula, mas Dirceu também é Dirceu. Ou será que, de repente, deixou de ser e virou o rei do "pixuleco"? Lula é o grande líder e o maior símbolo da história do PT, mas José Dirceu foi o grande operador e o maior comandante das tropas petistas nesses 35 anos. Um foi o mito das lutas sindicais, o outro foi o ídolo das lutas estudantis. Um agia à luz do dia, em cima de palanques, o outro agiu boa parte do tempo na penumbra, no anonimato. Os dois são indissociáveis.
Dos tempos heróicos do ABC paulista, megafone em punho, Lula é um sedutor e parecia irremediavelmente sedutor até o petrolão o atingir em cheio e o governo Dilma Rousseff passar por cima. Primeiro, encantou as mulheres, depois os metalúrgicos, em seguida trabalhadores de todos os setores, mais adiante a intelectualidade e a igreja, e finalmente a opinião pública brasileira. Concorreu cinco vezes à Presidência da República, perdeu três, ganhou duas, ressurgiu das cinzas do mensalão, desceu a rampa do Planalto como um dos líderes mais populares de todos os tempos elevou para casa um troféu: a eleição da inacreditável Dilma, que só foi candidata – e só chegou aonde chegou – pela única e exclusiva razão de que Lula quis.
Logo, o PT abandonar Lula, ou lavar as mãos, parece o fim do mundo, certo? Mais ou menos, porque, ao renegar José Dirceu, o partido sinaliza que já não tem discurso nem energia para defender quem quer que seja – nem para se defender – da profusão de delações e descobertas escabrosas. Digamos, pois, que o PT está a caminho do fim do mundo, depois que sua Executiva Nacional decidiu que, sente muito, não tem como defender o indefensável e não vai mais se associar a Dirceu.
Ele virou coisa do passado, além de caso de polícia. É uma pena, porque Dirceu tem uma vida digna de filme, que começa nos congressos da UNE contra a ditadura, passa por treinamento em Cuba, inclui uma plástica facial, uma vida clandestina no Sul e uma personalidade tão complexa ao ponto de viver durante anos com uma mulher que amava sem revelar a ela sequer o seu nome verdadeiro. Politicamente, Dirceu é do PT desde a gestação, foi seu presidente de 1995 a 2002, ameaçou se tornar a eminência parda do primeiro mandato de Lula e foi responsável por dois movimentos decisivos tanto para a ascensão e glória quanto para a debacle e vergonha do partido.
Foi ele quem deu a guinada "pragmática" para arrecadar dinheiro e levar Lula à vitória. E foi ele o gênio do mal que articulou o mensalão, possivelmente idealizou o petrolão e usufruiu dele com bem mais do que um Fiat Elba. E não é mais primário. Segundo o então ministro Joaquim Barbosa, fazendo eco à Procuradoria-Geral da República, Dirceu foi o "chefe da quadrilha" do mensalão. Segundo o juiz Sérgio Moro, ele demonstra "profissionalismo na prática de crimes".
E segundo o procurador Carlos Fernando Lima, ele "instituiu o esquema do petrolão e se beneficiou dele". Conclusão: cartel de empreiteiras existe desde sempre, mas o petrolão inovou ao inverter o organograma. Em vez de os políticos só se aproveitarem do cartel, eles passaram a controlar o cartel a favor de esquemas de poder, de partidos e, como Dirceu, deles próprios.
Dirceu não está sozinho. Ele lidera uma fila de petistas em que o também ex-presidente José Genoino (caso à parte), dois ex-tesoureiros e figuras como André Vargas jogaram fora as glórias do passado para enfrentar o presente atrás das grades. A fila anda, mas não se sabe ainda onde vai parar. É isso que deixa o PT e Lula muito nervosos. Tombo. Na noite de segunda-feira, o ex-presidente José Sarney levou um tombo em casa. Octogenário, ele está de cama, com a cabeça enfaixada, bem neste momento que exige líderes maduros e serenos. Isso Sarney é.
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