Rubens Valente, Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Relatório da Operação Zelotes que deu base às decisões judiciais que deflagraram a terceira fase da investigação nesta segunda-feira (26) afirma que Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do ex-presidente Lula e ministro durante o primeiro governo Dilma Rousseff, esteve em "conluio" com um lobista interessado na edição de uma medida provisória que beneficiou o setor automotivo.
Segundo a PF, Mauro Marcondes, sócio-proprietário da microempresa Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Corporativa, e outro escritório de lobby, a SGR Consultoria Empresarial, de José Ricardo da Silva, pagaram pelo menos R$ 6,4 milhões a "colaboradores" para conseguirem editar a medida provisória no final de 2009, pela qual foram prorrogados por cinco anos benefícios fiscais concedidos em uma lei de 1999. Segundo a PF, as duas empresas mais beneficiadas pela nova MP foram a MMC Automotores do Brasil e a Caoa Montadora de Veículos.
Relatório da Polícia Federal não reuniu provas de que Carvalho recebeu propina para a edição da medida, mas apontou um suposto "conluio" entre o ex-ministro e Marcondes "quando se trata defesa de interesses do setor automobilístico".
De acordo com a PF, a medida provisória de interesse dos lobistas, de número 471, do ano de 2009, é datada de apenas quatro dias depois de um evento que teria ocorrido no dia 16 de novembro de 2009 com a inscrição "Café: Gilberto Carvalho", encontrada em papel apreendido na casa de outro lobista, Alexandre Paes dos Santos, preso nesta segunda-feira.
"Constatamos que as relações mantidas entre a empresa do lobista Mauro Marcondes e o Gilberto Carvalho são deveras estreitas. Os documentos que seguem abaixo fortalecem a hipótese da 'compra' da medida provisória para beneficiamento do setor automotivo utilizando-se do ministro que ocupava a 'antessala' do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável direto pela edição de medidas provisórias", afirma relatório da Polícia Federal.
Em e-mail direcionado ao correio eletrônico de Carvalho, datado de dezembro de 2007, Mauro Marcondes afirma estar "recorrendo mais uma vez ao amigo, para cumprir esta incumbência daquela forma informal e low profile que só você consegue fazer sem as formalidades e no momento oportunidade".
Para demonstrar o "o grau de intimidade de relacionamento" com Carvalho, a PF cita uma mensagem da mulher de Marcondes, Cristina Mautoni, para que fossem comprados presentes para as filhas de Carvalho. Não fica claro se os presentes foram comprado e entregues.
Na manifestação que solicitou as buscas e apreensão e prisões desta segunda-feira, o Ministério Público Federal afirmou que na "lista de controle da Marcondes e Mautoni sobre a Caoa na segunda medida provisória, havia os nomes de Mauro Marcondes, Cristina Mautoni, José Ricardo da Silva (interlocutor da SGR)" e de Gilberto Carvalho, dentre outras pessoas.
De acordo com os procuradores da República, a investigação revelou "com segurança" que as empresas Marcondes e Mautoni e SGR "nada produzem de lícito. Limitam-se apenas a intermediar interesses espúrios perante a administração pública".
"Há indicativos que servidores públicos do Poder Executivo, inclusive da Presidência da República, possam ter recebido vantagem indevida para colaborar no processo de edição da Medida Provisória", afirmou o Ministério Público.
Em uma planilha apreendida pela PF na casa de Alexandre Paes dos Santos, Gilberto Carvalho é citado entre outras pessoas dentro de um certo "projeto de prorrogação por mais cinco anos (2015-2020) do Benefício Fiscal para a Caoa".
O mesmo documento cita Lytha Spindola, ex-secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio). Para a PF, foi essa servidora "o canal de lobby naquele órgão". Segundo a PF, Lytha é mãe de Vladimir Spindola Silva, "parceiro de empreitadas do Edison Pereira Rodrigues, um dos sócios da SG Consultoria Empresarial".
O Ministério Público afirmou que "já há prova" de que Lytha recebeu, em 2010, pelo menos R$ 506 mil por "intermédio do escritório de advocacia Spíndola Palmeira Advogados", registrado em nome de filhos de Lytha. Os procuradores também apontaram que outra "empresa familiar dos Spíndola, a Green Century Consultoria Empresarial e Participações Ltda", recebeu mais R$ 60 mil da Marcondes e Mautoni. A Folha apurou que Lytha deixou a Câmara do MDIC em agosto de 2010 –a PF não especificou a data, em 2010, em que o escritório da família de Lytha foi remunerado, se foi antes ou depois de ela ter deixado o governo.
Sobre a Casa Civil, a PF afirma que "não há documentos mais esclarecedores" de como o lobby agiu no órgão, mas "é certo" que tanto Santos quanto José Ricardo da Silva "tinham acesso direto a Erenice Guerra, que foi secretária-executiva da Casa Civil de 2005 a abril de 2010".
"A Erenice Guerra era frequentadora do escritório do José Ricardo da Silva, nas palavras do Hugo Rodrigues Borghes", registrou a PF.
A Folha apurou que perguntas sobre a eventual participação de Carvalho em irregularidades constam no interrogatório de um dos suspeitos preso nesta segunda-feira durante a Zelotes.
Na lista de perguntas a que a Folha teve acesso, os policiais querem saber "o que significa GC 10?". Seria "um alusão a Gilberto Carvalho e ao aumento do valor da dos colaboradores para R$ 10 milhões?", questionou um investigador ao suspeito.
Em outro trecho do interrogatório, a Polícia Federal pergunta o que se trata "um kit" que teria sido dado a Gilberto Carvalho.
Os questionamentos foram elaboradas a partir de materiais apreendidos em outras fases da operação, como planilhas e trocas de mensagens, além de informações passadas por testemunhas ouvidas anteriormente.
Outros nomes de ex-funcionários do governo também foram abordados. Os policiais perguntaram se o suspeito tinha contato, por exemplo, com o ex-ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão Nelson Machado, que também comandou a Previdência Social.
Foram citados ainda, na relação de questionamentos, Ivan Ramalho, ex-secretário-executivo do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, por onde passa parte das medidas provisórias que interessa a diversos segmentos da indústria.
O nome de Dyogo Henrique Carvalho, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e que depois assumiu o mesmo cargo no Planejamento, também consta num dos tópicos apresentados pelos policiais ao interrogado.
Nesse casos, porém, os questionamentos não levantavam suspeitas sobre os citados.
Gilberto Carvalho compareceu espontaneamente para ser ouvido na Polícia Federal, em Brasília.
Outro lado
Ao comentar o caso, Gilberto Carvalho disse estar indignado em ver seu nome citado na Operação Zelotes. "Quero que comprovem se recebi um tostão", afirmou.
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