- Folha de S. Paulo
A derrota de Cristina Fernández de Kirchner nas eleições de domingo, 25, na Argentina é a primeira que sofre a esquerda sul-americana neste século, se se excluir a derrota da moderadíssima esquerda chilena em 2010.
Até então, os Kirchner, Lula/Dilma, Chávez/Maduro, Rafael Correa e Evo Morales desfilaram vitoriosamente em votações sucessivas, como se as urnas fossem seus sambódromos particulares.
É verdade que o candidato (a contragosto) de Cristina,Daniel Scioli, ainda foi o mais votado e pode perfeitamente eleger-se no segundo turno, mas não é de esquerda nem era o candidato de Cristina.
Na verdade, a presidente perdeu antes de domingo, ao não conseguir o "kirchnerismo" construir, em seus 12 anos de governo, uma candidatura própria que não levasse esse sobrenome.
Admite o fracasso um jornalista, Horacio Verbitsky ("Página 12"), que é um dos mais próximos dos Kirchner, em artigo no domingo da eleição: Scioli "chegou à sua candidatura presidencial por descarte e não por entusiasmo, o que certifica a inabilidade do kirchnerismo para construir uma sucessão confiável, que não se baseie nos vínculos familiares, talvez seu maior deficit político".
Sem candidato do peronismo esquerdista, o segundo turno produzirá, ganhe quem ganhar, "um presidente que terá um enfoque mais favorável ao mercado", já se anima a prever Daniel Kerner, do Eurasia Group, em entrevista ao Council on Foreign Relations.
Muda, portanto, o intervencionismo que foi a marca de Cristina Kirchner, mas a sua derrota não se mede apenas na ausência de uma candidatura de confiança: perdeu também a província de Buenos Aires, a maior do país, onde, aí sim, tinha um homem seu (Aníbal Fernández). Perdeu igualmente, com seus aliados, 26 cadeiras na Câmara de Deputados.
Seu grupo, a Frente para a Vitória, ainda será majoritário, mas virtualmente empatado com a soma de três forças oposicionistas (114 a 113).
A derrota de Cristina não se deve tanto a um fracasso econômico, ao contrário do que deve ocorrer na Venezuela (se houver uma eleição limpa). A Argentina não está tão mal como o Brasil, embora tenha problemas sérios com o câmbio, com a inflação e com o financiamento externo.
Mas são situações problemáticas mais para o futuro imediato do que para o presente, já que não afetaram muito nem o emprego nem a renda até aqui.
O que mais parece ter influído no ânimo do eleitor é o estilo da presidente, o do confronto permanente com inimigos reais ou inventados.
O "nós contra eles" –também adotado no Brasil pelo lulopetismo– funciona durante um tempo, mas acaba cansando. Nenhuma sociedade fica à vontade se é convidada a estar em permanente estado de alerta.
Tanto que uma recente pesquisa mostrou uma divisão mais ou menos ao meio entre os que querem uma forte mudança do modelo (47%) e os que preferem mantê-lo (49%). Mas, desses 49%, mais da metade (27%) pede uma mudança de estilo da liderança —exatamente o que prometem as características intrínsecas de Daniel Scioli, conciliador por natureza.
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