quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Ilusões perdidas na crise

Brasileiros que ascenderam nas últimas décadas sentem os efeitos da crise. A perda de conquistas, que pode devolver 3 milhões às classes D/E, provoca desencanto entre os eleitores da presidente Dilma, relatam

Efeitos da crise: Adeus às conquistas

• No Norte e no Nordeste, reduto do lulismo, eleitores lamentam o retrocesso e culpam políticos

Tiago Dantas, Renata Mariz e Silvia Amorim- O Globo

BELÉM (PA), PETROLINA (PE), SÃO RAIMUNDO NONATO (PI), JUAZEIRO (BA) e SÃO PAULO- Eles viram a vida melhorar nas últimas décadas. Na era Lula, experimentaram um inédito aumento do poder de compra. Adquiriram TVs, geladeiras, motos, carros, casa própria. Mas, agora, brasileiros que ascenderam socialmente sentem os efeitos da crise econômica e temem que a bonança tenha ficado para trás. Nos últimos dias, O GLOBO visitou dez cidades do Norte e do Nordeste do país e constatou como o desemprego e a inflação têm afetado a vida dessas pessoas.

A crise provoca um efeito político que fica evidente na conversa com eleitores. Representantes do lulismo e eleitores de Dilma Rousseff em cidades do interior de Pernambuco, Bahia e Piauí, onde a petista teve mais de 80% dos votos, dizem-se insatisfeitos com a presidente, embora alguns atribuam o agravamento do quadro à classe política como um todo.

Eles criticam o aumento dos preços e as mudanças nas regras de aposentadoria, e mencionam boatos sobre cortes no Bolsa Família — os cortes, até agora, só afetaram a verba de gestão do programa. A porcentagem de pessoas que avaliam o mandato de Dilma como ótimo ou bom na região caiu de 53%, no fim de 2014, para 10%, em agosto deste ano, segundo o Datafolha.

As regiões Nordeste e Norte devem registrar nos próximos dois anos ritmo maior de crescimento das classes D/E, segundo pesquisa da Tendências Consultoria. O estudo mostra que, até 2017, em todo o país, 3,1 milhões de famílias devem entrar para esse grupo, formado por quem tem renda média familiar mensal de até R$ 1.957. A maioria retorna da festejada classe C, que volta a minguar após a perda de bens e benefícios conquistados nos últimos anos.

— De 2004 a 2013 a gente teve um padrão de crescimento fortemente puxado pelos setores de varejo e serviços, conhecidos por empregarem a mão de obra de baixa qualificação. Só que a festa do consumo acabou, e esses setores estão puxando a derrocada para baixo agora — disse o coordenador da pesquisa, Adriano Pitoli.

Morador de São Raimundo Nonato, no interior do Piauí, o pedreiro Dilton Ferreira dos Santos, de 50 anos, viu reduzir os trabalhos na construção civil que antes sobravam na região. Pela primeira vez desde 2012, está desempregado há mais de três meses. A trajetória de Santos se confunde com a de muitos nordestinos: depois de passar boa parte da juventude trabalhando na lavoura sem salário fixo, conseguiu empregos que pagavam até R$ 1.000 mensais a partir de 2010. Construiu casa, comprou TV, geladeira e uma moto, que guarda na sala, já que o imóvel não foi projetado para ter garagem.

Na Grande Belém (PA), drama parecido é enfrentado pelo também pedreiro Antonio Furtado Costa, de 44 anos. Morador de Ananindeua, ele adotou o seu próprio “ajuste fiscal”: aposentou o ventilador e trocou as lâmpadas. Mesmo assim, a conta de luz passou de R$ 35,78 em setembro para R$ 57,92 em outubro. Seus ganhos semanais, que chegavam a R$ 1,8 mil até o início deste ano, caíram para cerca de R$ 800.

— Antes, eu passava serviço para colegas para não deixar o cliente esperando. Agora, faço orçamentos, espero o cliente ligar, e nada.

Com ensino fundamental, Antonio fala com desenvoltura sobre o momento político. Diz que, desde o impeachment de Collor, só vota nulo, por “falta de credibilidade” dos candidatos. Apesar de o filho ser beneficiário do Bolsa Família, critica o governo e outros políticos, como Eduardo Cunha, presidente da Câmara:

— A gente é simples, mas não é besta.

3,1 milhões de famílias devem entrar nas classes D/E até 2017, revertendo conquistas da era Lula

8,7% Taxa de desemprego do trimestre encerrado em agosto. Maior número desde o início da análise, em 2012

10,9% Recuo da produção industrial entre setembro deste ano e setembro de 2014

8,5% Inflação acumulada de janeiro a outubro deste ano, maior índice desde 2003. Taxa deve terminar o ano em torno de 10%

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