- O Globo
Não foi uma pequena falha conjuntural. O Brasil teve ontem um apagão porque o Operador Nacional do Sistema Elétrico mandou racionar energia. Ele determinou corte de carga porque havia mais demanda do que a capacidade de atender. Diminuiu ontem o espaço para o governo continuar negando um problema que está cada vez mais grave. Se tivesse agido antes, o país estaria agora mais seguro.
É cristalino como água: se 70% ou mais da eletricidade consumida no Brasil são de fonte hídrica, e o país está com uma crise hídrica, o bom senso manda que se faça economia de energia. O governo rechaçou os alertas de todos os especialistas, ignorou tudo o que foi dito por associações do setor. Como já dito aqui neste mesmo espaço: a realidade é teimosa. Ela sempre supera as versões.
O governo errou e persistiu no erro. Incentivou o consumo quando não devia. Negou todas as evidências do problema, por ser ano eleitoral. Não fez campanha de economia. Se tivesse havido uma redução de 5% no ano passado, o país estaria mais seguro agora. E, mesmo depois do que aconteceu ontem, o ONS divulga uma nota para dizer que havia "folga na geração". Francamente.
O climatologista Carlos Nobre, do Inpe, se diz muito preocupado com a geração de energia e, mais ainda, com o abastecimento de água em São Paulo:
- Nos meses de outubro, novembro e dezembro choveu de 58% a 60% da média histórica, e em janeiro, até agora, apenas 25% da média histórica. E pior, a previsão é continuar seco no Sudeste, a não ser com as pancadas de fim de tarde que não elevam reservatório. Se não chover, e muito, em fevereiro e março, um dilúvio bíblico, vamos entrar na estação seca com uma situação que eu não me lembro de ter visto.
A falta de ação do governo na energia foi exatamente o mesmo erro cometido pelo governo de São Paulo no abastecimento de água. Os dois partidos estão sendo afetados pelo mesmo problema que é agravado pelas decisões que tomaram.
O setor de energia ficou assustado com o apagão que atingiu dez estados, principalmente pela tentativa do ONS de novamente querer minimizar o evidente problema que houve.
- O baixo nível dos reservatórios está dificultando a geração. Com um nível menor, cai a potência das turbinas. Mas o pior é o governo não explicar o risco. A população não está sendo avisada de que há um risco energético concreto - afirmou Roberto Pereira D"Araujo, do Instituto Ilumina.
Ele explicou também que o estoque de água começou a cair em 2012, e o governo nada fez, e lembrou que o país teve o apagão de ontem, mesmo com todas as térmicas ligadas. O presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, acha que o que está acontecendo é exatamente a dificuldade do sistema de manter a oferta no momento de pico da demanda:
- Estamos em janeiro de 2015 com uma situação pior do que em janeiro de 2014. As térmicas estão todas ligadas e há um nível menor de água. Então vamos continuar vendo apagões. O problema é que o governo errou em 2012 e, quando a situação se agravou, ele não fez racionalização de consumo porque o tema virou tabu. Estamos com chuvas abaixo da média. A única boa notícia é que tivemos uma boa conversa com o novo ministro e ele reconheceu as dificuldades e quer ouvir o setor. Vai doer corrigir todos esses anos de equívocos.
É a hora da verdade na energia, como é a hora da verdade na economia. A equipe econômica começou a tomar as medidas amargas. Ontem o ministro Joaquim Levy anunciou um pacote de aumento de impostos. O pacote tem problemas, mas ele está, desde que assumiu, cortando gastos. Agora elevou impostos para agir pelo lado da receita.
A Cide já se sabia que iria subir, e, com a queda do preço do petróleo, há uma chance de o impacto da elevação do imposto ser em parte absorvido pela Petrobras. O barril caiu muito mais do que o previsto e a margem de lucro da estatal hoje é grande. Aumentar o IOF sobre financiamento em um momento em que o Banco Central está subindo juros será pesado para o tomador de crédito. Se não for bem dosado, pode subir a inadimplência. Também é discutível elevar o nível de fechamento da economia. O grande mérito da Fazenda, no entanto, é o de encarar a hora da verdade. A mesma atitude deveria acontecer na área de energia.
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