sábado, 25 de abril de 2015

Zuenir Ventura - Vozes d’África

• Que diferença existe entre os barcos de imigrantes da Líbia agora e os navios negreiros que indignaram o poeta Castro Alves?

- O Globo

Ainda dizem que a História não se repete, ou se repete apenas como farsa. Pois, de certo modo, ela está se repetindo como tragédia. Que diferença existe entre os barcos de imigrantes da Líbia agora e os navios negreiros que indignaram Castro Alves? Na essência, só uma, para pior. Os traficantes modernos recebem o pagamento adiantado, não na entrega da “mercadoria”, o que significa que a carga humana pode se perder no mar à vontade, sem prejuízo para os contrabandistas, pois já está paga. Graças a essas operações, calcula-se que em 2014 mais de dois mil refugiados tenham morrido na travessia do Mediterrâneo e, em 2015, segundo a Organização Internacional para as Migrações, já foram 1.750, um número que pode chegar a 30 mil até o fim do ano.

Mesmo assim, a Europa só saiu da sua indiferença esta semana, dias depois que um pesqueiro naufragou no canal da Sicília com cerca de 800 imigrantes que viajavam com destino à Itália. As imagens chocantes e os relatos de sobreviventes que se salvaram agarrando-se a corpos que boiavam correram o mundo e engrossaram a onda de protestos que há meses vêm sendo feitos pela ONU e por ONGs contra o que se passa ali. Na sua conclamação para que a “comunidade internacional atue com decisão e prontidão para evitar mais tragédias”, o Papa Francisco, ao contrário do nosso poeta, que evocou Deus (“Onde estás que não respondes/Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes”), apelou para o sentimento humanitário dos dirigentes do continente, enfatizando a condição das vítimas: “São homens e mulheres como nós, que buscam uma vida melhor”. Foi menos poético e mais realista, trazendo a questão para a esfera terrena.

Tudo isso pode ter contribuído para abalar o egoísmo da União Europeia, feito de xenofobia e do medo de estimular o fluxo migratório, ou seja, da velha paranoia da “invasão dos bárbaros”. O fato é que, dias depois do que está sendo considerada uma das maiores tragédias da História na região, os líderes da UE decidiram triplicar os fundos para operações de busca e resgate no Mar Mediterrâneo, entre outras medidas de combate ao tráfico de seres humanos, como destruição dos barcos e combate às quadrilhas. A ONU criticou a “abordagem minimalista”, assim como os Médicos Sem Fronteiras e a Anistia Internacional preferem que os recursos sejam investidos não em guerra aos traficantes, mas na solução do problema dos imigrantes.

Entre os vários países que ofereceram ajuda, a Grã-Bretanha vai fornecer um navio de operações especiais, três helicópteros e dois barcos de patrulha. Mas o premier David Cameron já avisou que isso não significa que o Reino Unido iria aceitar imigrantes. Quer dizer, ajuda, contanto que fiquem longe.

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