A reação petista à acusação do Tribunal de Contas da União (TCU) de que a equipe econômica do governo de Dilma Rousseff incorreu em crime de responsabilidade fiscal ao atrasar repasses aos bancos públicos - a prática da pedalada fiscal - mostra mais uma vez que o Partido dos Trabalhadores (PT) abdicou de sua identidade. Impressiona ver como os anos à frente do governo federal levaram o PT a negar o que dizia ser sua própria razão de existir.
O PT nasceu com a pretensão de ser um partido diferente, que viria a mudar a política nacional. Iria acabar com o fisiologismo e o coronelismo presentes na vida pública brasileira, implantando uma nova ética política. Seria um partido cujas forças e decisões não teriam origem na cúpula, mas nasceriam das bases. O selo de garantia dessa nova fisionomia política era a sua engajada militância, apresentada a torto e a direito como a prova definitiva do caráter diferenciado do PT - ele não era como os outros partidos brasileiros. Na retórica petista, ser diferente dos outros era o sentido de sua própria existência. Tal diferenciação definia e fundamentava a missão do partido no cenário nacional - promover as mudanças políticas e sociais tão desejadas por todos. Ser diferente a tudo o que sempre houve qualificaria o PT para essa tarefa. Essa era a magia, que a muitos encantou.
No entanto, os anos do PT à frente do governo federal inverteram os termos da equação. Antes, o partido batalhava para ser visto como diferente dos outros. Agora, emprega todas as suas forças para ser visto como um partido exatamente igual aos outros. Quando confrontado com os escândalos que o maculam, sua defesa consiste em dizer que as acusações que recaem sobre o partido não são tão graves - na ótica petista, não seriam nada - pois outros teriam feito o mesmo.
No escândalo do mensalão, o PT testou esse tipo de defesa - alegar que nada fazia diferente dos outros partidos. O que os petistas tinham feito seria "mero" caixa dois, nada muito diverso do que outros partidos faziam. Ao longo do processo penal no Supremo Tribunal Federal (STF), a música de fundo da defesa petista tinha como refrão: não é uma boa hora para acabar com a impunidade, já que outros fizeram o mesmo. A mensagem subliminar aos ministros do STF parecia ser: esperem um pouco mais, esperem que seja um crime inédito, para então punir exemplarmente.
Agora, sem qualquer pudor, o governo de Dilma Rousseff volta a assumir esse mesmo tipo de defesa esfarrapada. Recentemente, em entrevista ao Estado, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva, afirmou: "A lei não foi violada. No governo anterior, de outro partido, também houve isso", referindo-se às manobras fiscais.
O advogado-geral da União, Luís Adams, também seguiu a mesma orientação. Para Adams, a unânime posição do TCU em reconhecer que pedalada fiscal é crime, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, não seria sustentável já que idêntica "sistemática de pagamento" - mais um belo eufemismo para as manobras fiscais - existe há 14 anos.
Por sinal, no início do mês, o País já havia assistido a semelhante linha argumentativa, quando o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, prestou depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito que apura malfeitos entre Petrobrás, empreiteiras e partidos. Munido de planilhas e gráficos, Vaccari tentou mostrar que ele e o seu partido eram inocentes já que não tinham feito nada diferente dos outros - todos haviam recebido doações das empreiteiras.
Obviamente, acusar os outros das mesmas más ações para eximir-se da responsabilidade de suas próprias ações não é uma estratégia jurídica muito eficaz. O ineditismo não é condição para a configuração de um crime.
No entanto, no caso do PT - que forjou a sua autocompreensão em torno do mito de ser um partido diferenciado, distinto de todos os outros -, essa alegação equivale a abdicar da sua razão de ser. Ser diferente era a sua glória e a sua missão. Agora, ser igual parece ser a sua tábua de salvação.
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