Entrevista - Dom Sérgio da Rocha
• O novo presidente da cnbb vê com preocupação a radicalização no debate político e critica a inclinação fisiologista de algumas legendas
Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Com o número de católicos em queda no país e o crescimentos das igrejas evangélicas, o arcebispo de Brasília, dom Sérgio da Rocha, assumiu a presidência da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) nesta sexta-feira (24) com o desafio de aumentar o rebanho de fieis praticantes.
Paulista nascido na cidade de Dobrada (SP), o religioso aponta a necessidade de uma atuação mais organizada da Igreja Católica em diferentes questões sociais e uma participação mais ativa dos cristãos leigos em assuntos de interesse da sociedade.
"Sentimos uma presença muito tímida do nosso laicado na sociedade. Claro que tem gente que dá testemunhos muito corajosos em diversos campos da vida social, mas temos de crescer nisso."
No documento final da 53ª Assembleia Geral da CNBB, divulgado sexta, a entidade católica posicionou-se contra a redução da maioridade penal e fez críticas ao projeto que regulamenta a terceirização em contratos de trabalho.
O documento avalia ainda que a crise econômica ameaça conquistas sociais das últimas décadas e "coloca em risco a ordem democrática", mas ressaltou que não é o momento de ânimos acirrados ou "de posições revanchistas".
Folha - O senhor pretende seguir a mesma linha consensual e apaziguadora do arcebisparcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, ex-presidente da CNBB?
Dom Sergio da Rocha - Dizem que é o meu estilo. Na verdade, o meu estilo é buscar o diálogo, não importa com quem seja. Alguns dizem que até por isso eu fui eleito no primeiro escrutínio. Não sei se é verdade, mas, sem dúvida, acredito na abertura de diálogo com todos, sem a identificação com grupos.
Sei que hoje a questão ideológica é muito mais tranquila. Em outros tempos, falava-se de grupos ideológicos. Hoje, pode ter pluralidade de opiniões, mas não embates ideológicos no episcopado.
O senhor vê com preocupação o atual cenário de radicalização no debate político?
Sim, porque o ideal é, em uma sociedade democrática, termos o diálogo. Não só entre os partidos, mas também entre os poderes da República e com a sociedade civil.
E, dentro da sociedade civil, que agora tem se manifestado um pouco mais nas ruas, não pode deixar de haver diálogo e respeito. As pessoas podem até ser adversárias, mas não precisam ser inimigas.
O senhor considera justificáveis os pedidos recentes de impeachment da presidente da Dilma Rousseff (PT)?
Não entro no mérito. Eu entendo que, independentemente qual for a interpretação que se dá a esse pedido, o que há efetivamente é um anseio da população de que as suas causas sejam consideradas. E que de fato a política, os políticos ou o governo cumpram seu papel de estar a serviço mesmo do povo, sobretudo dos mais pobres.
Nós podemos infelizmente correr o risco de uma postura politica corporativista, só em vista de interesses partidários ou de interesses de grupos particulares. Ou então aquela postura mais fisiologista. Temos de nos pautar por valores, princípios e postura. E os partidos por programa político-partidário. Se uma sigla não cumpre o seu papel, ela não está ajudando a democracia.
O Papa Francisco tem se mostrado bem diferente do seu antecessor, Bento XVI, ao adotar uma postura mais liberal. Qual é a opinião do senhor sobre a mudança no comando da Igreja Católica?
O Papa Francisco, na verdade, tem colocado em pauta, não apenas em suas palavras mas também em seus gestos, muita coisa que já estava presente antes no pontificado de Bento XVI e até de outros papas.
Na verdade, ele não está criando uma nova doutrina, mas, no seu modo de ser, ele está ressaltando certos aspectos que sempre acompanharam a vida da Igreja Católica. Como a misericórdia. A misericórdia não é algo novo. O Papa Bento XVI já havia escrito sobre a caridade. A sua primeira encíclica foi "Deus é amor". Na verdade, o Papa Francisco expressa isso por meio de gestos concretos.
As famílias brasileiras não são mais formadas apenas por casais heterossexuais. Há muitas famílias com duas mães e com dois pais. O senhor considera que é o momento também da Igreja Católica se modernizar e acolher também as novas formações familiares?
Nós queremos ser uma Igreja acolhedora de modo muito amplo. Como mãe misericordiosa, a igreja está de portas abertas, como o Papa Francisco tem colocado. Uma pessoa não é acolhida pela sua condição social ou sexual. Ela é acolhida porque é filha de Deus, porque é irmão, porque é cristão, porque é membro da Igreja.
Agora, é claro que a Igreja tem princípios que estão no Evangelho, tem o seu ensinamento já acumulado ao longo da história e um patrimônio imenso. É por isso que a 14ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que será realizada neste ano no Vaticano, deverá considerar todas essas novas situações.
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