- Folha de S. Paulo
Como que para honrar o mito, o PSDB é incapaz de decidir-se. Para a ala fernandista do partido, se o impeachment não é algo inevitável (a consequência direta de alguma descoberta das investigações), não faz sentido persegui-lo. Já para os aecistas, tudo é uma questão de clima político e, se a população deseja tirar a presidente, cabe à oposição liderar o processo.
As ambivalências tucanas não são gratuitas. Elas têm origem na própria ambiguidade do instituto do impeachment, que surgiu na Inglaterra medieval como um mecanismo judiciário que permitia processar autoridades. Como em caso de impeachment elas eram julgadas pelo Parlamento, e não pelas cortes, controladas pela Coroa, havia uma chance de os amigos do rei serem condenados.
À medida, porém, que as instituições evoluíram e se tornaram mais impessoais, o impeachment foi perdendo suas funções originais. Vai evoluindo para um dispositivo emergencial de controle político, uma forma de o Legislativo arrancar do poder governantes que se tornaram maciçamente impopulares. Prova-o a amplitude dos "tipos penais" capazes de sustentar um processo de afastamento. Dois de meus favoritos são "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (art. 9º, 7 da lei nº 1.079/50) e "negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional" (art. 11, 5).
O impeachment virou a versão presidencialista do voto de desconfiança comum nos regimes parlamentares, só que ainda fantasiado de procedimento jurídico. Penso que a democracia ganharia se aposentássemos esse fóssil institucional e o substituíssemos por um sistema de "recall" de voto, como existe em vários Estados dos EUA e na Venezuela.
Luciano I. de Castro, professor na Universidade de Iowa, tem um esclarecedor artigo acadêmico (bit.ly/1bBvHu5) sobre isso, que recomendo.
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