• Tribunal de Contas da União, em medida inédita desde 1937, dá parecer contrário às pedaladas fiscais da gestão petista de 2014 e abre caminho para avanço de um processo de impeachment contra a presidente no Congresso Nacional
Fábio Fabrini, João Villaverde e Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou nessa quarta-feira, 7, as contas do governo Dilma Rousseff relativas ao ano passado. Por unanimidade, os ministros entenderam que o balanço apresentado pela União continha irregularidades que feriram preceitos constitucionais, a Lei Orçamentária e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A reprovação teve como base, principalmente, as chamadas pedaladas fiscais, manobras que consistiram em atrasar repasses do Tesouro Nacional aos bancos para pagamento de despesas de programas sociais obrigatórios.
As manobras foram reveladas pelo Estado ainda no ano passado. Foi a primeira vez, desde 1937, que o TCU encaminhou ao Congresso Nacional um parecer pela rejeição das contas de um presidente da República. Nos últimos 78 anos, o tribunal sempre havia aprovado, com ou sem ressalvas, o balanço da União enviado pelo Executivo. A oposição e setores rebelados da base governista no Congresso pretendem usar essa recomendação como base para um processo de impeachment da presidente Dilma, conforme medida prevista na lei.
Caberá ao Legislativo, agora, julgar as contas de Dilma, seguindo ou não a opinião do TCU. As contas rejeitadas precisam passar por análises na Comissão Mista do Orçamento antes de chegar ao plenário. Isso só deve ocorrer em 2016, o que agrada ao Planalto, que aposta num esfriamento da crise política até lá. Eventual reprovação das contas nesse âmbito pode tornar a presidente inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, o que a impediria de disputar cargos eletivos.
A Advocacia-Geral da União (AGU) tentará anular o resultado da sessão do TCU em novo pedido ao Supremo Tribunal Federal.
Relator. O TCU iniciou a análise do mérito das contas do governo em 2014 após rejeitar, por unanimidade, o afastamento do relator do processo, Augusto Nardes, por suposta parcialidade e antecipação de voto. O pedido foi feito pela AGU por causa da tendência de um revés, agora confirmado, na corte de contas.
Em seu relatório, revelado na sexta-feira da semana passada pelo portal estadao.com.br, Nardes propôs aos outros sete ministros aptos a votar que dessem parecer pela rejeição. Ele argumentou que a defesa de Dilma não foi capaz de "elidir" as irregularidades apontadas pela área técnica do TCU.
Nardes explicou que as principais distorções detectadas somam R$ 106 bilhões. Para ele, além das pedaladas, em montante de R$ 40 bilhões, o governo descumpriu, indevidamente, a obrigação de contingenciar R$ 28 bilhões em despesas em 2014. Em ano eleitoral, também editou créditos suplementares sem autorização do Congresso, o que, opinou o relator, demonstrou o "desprestígio" do Planalto pelo Legislativo.
No caso das pedaladas, operações de crédito ocultas entre o governo e os bancos "distorceram a realidade fiscal". O ministro pontuou que a responsabilidade de Dilma nessas irregularidades é direta e ficou demonstrada recentemente, quando ela editou decreto autônomo para corrigir as manobras, indicando que essa tarefa era dela.
'Artificial'. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reiterou no plenário que não houve irregularidades nas contas. No caso das pedaladas, principalmente porque supostamente faltavam em 2014 regras que as caracterizarem como infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele alegou que, no debate das contas, a discussão política se misturou à técnica. "O TCU tomará sua decisão, mas não pode é artificiosamente transformar isso num movimento de cassação do mandato presidencial", criticou.
Sobre as pedaladas, termo que disse rejeitar, Adams afirmou ainda que práticas semelhantes foram realizadas no passado, ainda que em menor grau, e que nem por isso o TCU apontou cometimento de crime fiscal. "Não existe meia operação de crédito, meia gravidez", comparou. O procurador-geral do Ministério Público de Contas, Paulo Soares Bugarín, ressaltou que as irregularidades nas contas são graves. "O quadro apresentado em 2014 representa uma piora significativa no quadro fiscal em relação aos exercícios anteriores."
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