• A disputa interna no PMDB pelas obras da Saúde
- Valor Econômico
O abastecimento de água, a rede de esgotos e o manejo de lixo de 4.957 municípios brasileiros (89% do total) é incumbência do Ministério da Saúde. Em municípios de até 50 mil habitantes a ação cabe à Fundação Nacional da Saúde (Funasa) enquanto o Ministério das Cidades fica com o mesmo serviço no restante do país.
Água suja, fossas abertas e dejetos sem tratamento provocam doenças em grotões ou metrópoles, mas a linha de corte que distribui as ações preventivas entre dois ministérios está longe de ser aleatória. Desde a criação da Funasa em 1991, é por este traçado que se move o baixo clero da política do qual a presidente Dilma Rousseff depende para evitar que a rejeição de suas contas pelo TCU resultem em impeachment.
As disputas intestinas pelas 27 superintendências estaduais da fundação são parte da explicação para a falta de quórum na votação dos vetos presidenciais. Revelam o escancaramento da lógica que deu fama ao ex-presidente da Câmara dos deputados, Severino Cavalcanti (PP). Quando o ex-deputado pernambucano cobrou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a diretoria que fura poço, a Petrobras vivia a era da bonança, trazida à tona pela Lava-jato.
Na terça-feira, as ações da Petrobras fecharam em alta a despeito de o Valor PRO noticiar que uma fatia importante dos cortes anunciados pela estatal está debitada no ajuste cambial e não em redução real de despesas. Se a estatal ainda se vê no direito, com o beneplácito do mercado e de seus operadores no Congresso, de dar prosseguimento ao conjunto da obra, não há porque se esperar que a disputa pelos poços dos grotões viesse a ser aplacada.
O sub-baixo clero vê reservas ainda a serem queimadas pelo governo - das estatais ao rearranjo ministerial. É dessas insatisfações que se aproveita o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em busca de um acordo com a família Picciani que lhe permita ganhar tempo. Vale-se de um PTB que quer a Casa da Moeda e a Susep, de um PSD que exige a CBTU e de pemedebistas em busca de um Ministério da Saúde de porteira fechada. O que está em curso é a verticalização da lógica 'se o angu é pouco, o meu primeiro'.
O Ministério da Saúde resume o que está para acontecer em toda a Esplanada com o leilão dos blocos do segundo escalão. Assim como a rodada de ontem da Petrobras, qualquer expectativa é promessa de frustração. Pasta de maior orçamento da Esplanada, cuida desde aquisição para o Samu de sistemas que permitem a transmissão de eletrocardiograma via celular até das superintendências que furam poço da Funasa. Abriga desde os conselhos de saúde, versão radicalizada de gestão participativa, até as pressões do baronato dos planos de saúde.
Mais longevo ministro da Saúde da era petista, o médico sanitarista José Gomes Temporão (2007-2010) esbarrou no PMDB, seu partido à época, ao tentar mudar a Funasa. Queria aproveitar a capilaridade da fundação para promover políticas contra a contaminação de alimentos e estruturar a carreira nacional de médicos. As obras seriam remetidas para as pastas das escavadeiras.
A grita foi grande e o máximo que conseguiu tirar da Funasa foi a assistência às comunidades indígenas, que purgam índices de mortalidade africanos porque o dinheiro do saneamento e do abastecimento d'água sempre acaba em outros dutos. Na fundação que é co-responsável pela ausência de esgoto em 50% das residências do país, a Controladoria Geral da União já chegou a detectar irregularidades que somam meio bilhão de reais.
A fundação é domínio pemedebista com fatias petistas, mas a guerra instalada sugere que está em curso uma disputa no interior do PMDB. Em Estados mais pobres, as superintendências, que tocam as obras de abastecimento e saneamento do PAC, têm orçamento superior à quase totalidade das prefeituras. É prato cheio numa disputa municipal de pouco angu como a de 2016.
A bancada da Câmara quer avançar sobre as superintendências estaduais em grande parte dominadas por senadores pemedebistas. Padrinho de um presidente da Funasa que ficou impedido de exercer cargos públicos pela CGU, o senador Renan Calheiros, por exemplo, preserva os interesses dos Rego, da Paraíba, na entidade.
Além de uma cadeira no TCU e na Câmara, a família ocupa a superintendência da Funasa no Estado, com Ana Cláudia, nora do ministro Vital do Rego e esposa do deputado Veneziano. Outra disputa intestina se dá no Maranhão, onde os senadores do PMDB tentam manter um superintendente estadual defenestrado do Detran pelo ministério público.
A regional do Amapá, onde um indicado pela bancada do partido no Senado chegou a ser preso dois anos atrás em operação da Polícia Federal, é outro alvo da cobiça. Em Estados como o Ceará, onde a superintendência é exercida por um aliado do líder do governo, José Guimarães, ou no Mato Grosso do Sul, é o PT que terá que abrir mão para acomodar o apetite pemedebista da Câmara.
Eduardo Cunha terá sido o menor dos problemas que o novo ministro da Saúde, Marcelo Castro, pemedebista que protagonizou estrepitoso rompimento com presidente da Casa, terá sido capaz de engolir.
No discurso de posse, para o qual convidou todos os seus antecessores, Castro cuidou de por em relevo o que cada um havia feito pela Pasta e defendeu o SUS, alvo de investida da Agenda Brasil, que quer cobrar por procedimentos. Pela humildade, se pôs, em visível contraste com seu predecessor, Arthur Chioro. Ministro responsável pela consolidação do Mais Médicos e por iniciativas como o combate à epidemia de cesarianas, Chioro despediu-se com um discurso de militante abnegado que há muito deixou de ter ressonância no PT.
Antes de começarem a perder seus empregos, era da saúde que os brasileiros mais se queixavam. A preocupação só tende a aumentar com a porteira fechada pelas escavadeiras do PMDB. Para a secretaria-executiva, encarregada das ordens de pagamento, foi nomeado um antigo funcionário de carreira, que já exerceu mandato tampão na Pasta, e é respeitado por sanitaristas pela independência. É providencial, ainda que insuficiente para tirar bons resultados deste leilão e do poço que o país está a cavar.
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