No que, para a maioria dos prognósticos, parecem ser os momentos finais de seu governo, a presidente Dilma Rousseff (PT) deu sinais inusitados de descontração —certamente bem-vindos, ainda mais quando se leva em conta a notória aspereza de sua personalidade.
"Se eu perder, serei carta fora do baralho", afirmou a um grupo de jornalistas na quarta-feira (13). Informada de que poderá continuar no Palácio da Alvorada mesmo se a Câmara autorizar a abertura do processo de impeachment —a se desenrolar no Senado—, Dilma saiu-se com um sorriso: "Bom saber, não serei uma sem-teto".
Verdade que as ações políticas de seu governo, nestes dias, estão longe de demonstrar estoicismo ou resignação. Destacam-se antes pelo desespero dos últimos recursos e dos últimos cargos a distribuir para já nem mais se sabe quem.
Gastas as derradeiras pontas de lápis, desfeitas pela milésima vez as contas no balcão da quitanda fisiológica, a presidente procurou transmitir a imagem de que, apesar de sua derrota ser dada como inevitável após as recentes movimentações partidárias, não perdeu o espírito esportivo.
Por menos convincente que seja a atitude, ela reflete um estado de ânimo nem sempre enfatizado nos comentários sobre a crise atual.
A despeito de sua extrema gravidade e dos episódios de radicalização que vez por outra se registraram, a complexa e acalorada polêmica sobre o impeachment tem-se desenvolvido em clima de paz.
Há quem mencione, em caso de vitória da oposição, a possibilidade de que investidores estrangeiros se intimidem diante de mais uma demonstração do pendor para o imprevisível que caracteriza a política brasileira. Nessa linha argumentou o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em entrevista a esta Folha.
Além do óbvio interesse que o inspira a fazer declarações do tipo, cabe lembrar o quanto, na verdade, há na conjuntura política a sugerir conclusões de sentido inverso.
Tome-se, como exemplo, o famoso muro que deverá dividir manifestantes contrários e favoráveis ao governo neste domingo, em frente ao Congresso Nacional.
Imagem, sem dúvida, da cisão de opiniões na sociedade, ainda que prevaleça largamente o número dos que querem o impeachment.
Imagem, por outro lado, de coexistência. Não seria espantoso, em qualquer país democrático, que cenas de confronto sério já se tivessem repetido ao longo de uma crise com as proporções da que se desenrola no Brasil.
Lado a lado, prudentemente separadas, mas de forma pacífica, multidões se preparam para ocupar a Esplanada de Brasília, no domingo. É sinal de civilidade. Que a exaltação, o inconformismo e a violência não estraguem o momento da decisão.
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