Na sua primeira aparição pública após a aprovação do impeachment pela Câmara, a presidente Dilma disse se sentir injustiçada e afirmou que o processo, referendado duas vezes pelo STF, é um “golpe de Estado”. Abatida, Dilma disse ser “estarrecedora” a atuação do vice Michel Temer, que chamou de traidor, e afirmou que está apenas no começo da luta. Também atacou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e voltou a dizer que não há contra ela acusação de desvio de dinheiro público. Para a oposição, ela não convenceu.
Dilma se diz injustiçada e afirma que tem ânimo para lutar até o fim
• Demonstrando abatimento, presidente volta a acusar Temer de conspiração
Catarina Alencastro, Eduardo Barretto - O Globo
-BRASÍLIA- Abatida e aparentando cansaço e tristeza, a presidente Dilma Rousseff fez ontem um pronunciamento, seguido de entrevista, no qual disse se sentir injustiçada com o resultado da votação da Câmara dos Deputados, que anteontem autorizou a abertura de processo de impeachment. Dilma também afirmou estar indignada, especialmente com o fato de a sessão ter sido presidida por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de corrupção. A presidente alegou que o objeto da acusação contra ela, as “pedaladas fiscais”, não foi citado nas declarações de voto.
— Eu me sinto injustiçada. Injustiçada porque considero que esse processo é um processo que não tem base de sustentação. A injustiça sempre ocorre quando se esmaga o processo de defesa, mas, também, quando, de uma forma absurda, se acusa alguém por algo, primeiro, que não é crime e, segundo, acusa e ninguém se refere a qual é o problema — disse.
Mantendo o discurso de que impeachment é golpe, Dilma recorreu à sua biografia de luta contra a ditadora e afirmou que, os atrasos dos pagamentos a bancos públicos, as “pedaladas”, não a beneficiaram pessoalmente.
— É o golpe em que se usa de uma aparência de processo legal e democrático para perpetrar, talvez, o mais abominável crime contra uma pessoa, que é a injustiça, é condenar o inocente — reclamou.
O rito do processo de impeachment foi definido a partir de uma decisão do STF em novembro do ano passado, quando a Corte impôs a Cunha regras diferentes das que ele estipulara. Semana passada, quando o governo recorreu para anular a votação, mais uma vez o STF negou o pedido do Executivo. No domingo, a Câmara aprovou, com apoio de 72% dos deputados, a autorização para que o Senado abra o processo de impedimento.
No pronunciamento, Dilma disse que não se abaterá e lutará para que não seja retirada da Presidência. Voltou a chamar o vice-presidente Michel Temer de conspirador e traidor:
— É estarrecedor que um vice-presidente, no exercício do seu mandato, conspire contra a presidente, abertamente. Em nenhuma democracia do mundo, uma pessoa que fizesse isso seria respeitada. Porque a sociedade humana não gosta de traidor. Porque cada um de nós sabe, também, a injustiça e a dor que se sente quando se vê a traição no ato — disse. — Tenho ânimo, força e coragem suficiente para enfrentar essa injustiça. Não vou me abater, não vou me deixar paralisar por isso. Vou lutar como fiz ao longo de toda a minha vida.
Dilma falou em tom baixo. Chegou ao Salão Leste, ao lado dos ministros Edinho Silva (Comunicação Social) e Jaques Wagner (chefe de gabinete). Apesar de demonstrar abatimento, fez questão de se apresentar como uma combatente animada para o próximo round. Negou que o revés sofrido seja definitivo:
— Ao contrário do que alguns anunciaram, não chegou o fim. Será longa e demorada, não é uma luta que envolve apenas o meu mandato. Não é por mim, mas pelos 54 milhões de votos que tive. É uma luta de todos os brasileiros pela democracia em nosso país. Sem democracia não há e não haverá crescimento econômico.
Em sua fala inicial, antes responder a perguntas, Dilma voltou a comparar a luta contra a ditadura com o momento atual, que, a seu ver, também é marcado por uma tentativa de um golpe:
— Estou tendo meus sonhos e direitos torturados, mas não vão matar em mim a esperança. A democracia é sempre o lado certo da História.
Segundo Dilma, não há no governo estudos para enviar ao Congresso uma proposta de convocação de novas eleições presidenciais. Sem discorrer sobre a estratégia de busca de votos no Senado, onde passa a correr o processo de impeachment, disse que o governo terá uma articulação política “absolutamente diferente” e “qualificada” com os senadores. Para ela, a passagem do processo para o Senado significa que enfrentará um “quarto turno” das eleições vencidas em 2014, sendo os dois primeiros na eleição e o terceiro, no plenário da Câmara.
— Teremos com os senadores uma relação absolutamente diferente da que tivemos com a Câmara — declarou — Teremos uma interlocução muito qualificada com seus senadores.
Embora sem citar Cunha, deixou claro sua indignação pelo fato de a votação de domingo ter sido comandada pelo peemedebista.
— Não há contra mim nenhuma acusação de desvio de dinheiro público; não há contra mim acusação de enriquecimento ilícito. Eu não fui acusada de ter contas no exterior. Por isso eu me sinto injustiçada. Eu me sinto injustiçada porque aqueles que praticaram atos ilícitos, que têm contas no exterior, presidem a sessão que trata de uma questão tão grave como é a questão do impedimento de um presidente da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário