• Falta mecanismo de saída para não colocar tudo a perder
- Valor Econômico
Depois de passar mais de uma década e meia aumentando continuamente os seus gastos em ritmo mais forte do que o crescimento da economia, o governo propõe agora que o Congresso Nacional crie uma camisa de força e o coloque dentro. Só assim, acredita a nova equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, será possível evitar que o Estado brasileiro entre em insolvência.
Em resumo, a proposta apresentada ontem por Meirelles, após reunião com líderes dos partidos políticos que apoiam o presidente interino Michel Temer, determina que a despesa da União realizada em 2016 será a mesma, em termos reais, daquela que será executada em 2025. Nesse período, portanto, o gasto de cada Poder da União não poderá subir mais do que a inflação do período.
Embora a proposta de emenda constitucional (PEC) enviada ontem pelo governo ao Congresso estabeleça, em seu primeiro artigo, que o "Novo Regime Fiscal" terá o prazo de 20 anos, não há nada no texto garantindo que as regras que valerão a partir de 2026 ainda serão de controle do gasto.
Um dispositivo da PEC (o parágrafo sétimo do segundo artigo) prevê que o presidente da República poderá propor, por meio de um simples projeto de lei, alteração no método de correção dos limites para o gasto, que irão vigorar a partir do décimo exercício do novo regime.
Nada impede, pelo texto da PEC enviado ao Congresso, que o presidente no poder em 2025 proponha uma expansão generosa para as despesas. Falta à proposta, portanto, um mecanismo de saída que garanta uma trajetória sustentável para o gasto depois do período de vacas magras, ou seja, depois do período em que as despesas serão mantidas em termos reais.
Mesmo assim, muitos poderão considerar exagerado o prazo de nove anos para a correção do gasto apenas pela inflação, pois a população brasileira irá crescer muito até 2025 e as suas necessidades terão que ser atendidas pelo Estado. Assim, o prazo de vigência da medida certamente será objeto de intensa negociação.
Não há dúvida, no entanto, que a fixação de um limite para a despesa é o único caminho a ser trilhado daqui para frente, diante de governos e de um Congresso que foram, ao longo dos últimos anos, viciados na criação de despesas em ritmo alucinante, sem maior preocupação com o equilíbrio das contas.
O governo deve se preparar para grandes dificuldades para aprovar a PEC. O texto da proposta mostra que a área da saúde será a que mais vai perder recursos. A emenda constitucional 86, de 2015, estabelece uma destinação crescente de recursos da União para as ações e serviços públicos de saúde até 2020.
Em 2016, pela emenda em vigor, a saúde teria 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União. Como a arrecadação está em queda desde o ano passado, o governo vem destinando mais recursos para a área do que exige a emenda 86. No ano passado, chegou a 14,8% da RCL, considerando o montante do empenho autorizado. Para este ano, o decreto 8.784, assinado pelo presidente interino Michel Temer na semana passada, parece permitir, de acordo com avaliação de especialistas, um valor do empenho correspondente a 15% da RCL, o que só seria alcançado em 2020.
O problema é que o critério utilizado até agora para estabelecer o piso do gasto para a saúde foi de despesa empenhada. A PEC do governo estabelece que o teto para o gasto será definido pelo total pago. Há uma grande diferença entre os dois conceitos. Normalmente, o valor do empenho (que é a autorização inicial para a realização da despesa) é superior ao efetivamente pago no ano. É muito pouco provável que a bancada da saúde na Câmara aceite essa mudança.
A PEC do governo abriu uma válvula de escape para o aumento das despesas com a educação, ao deixar de fora do teto do gasto a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esse dinheiro é transferido aos Estados e municípios mais carentes, que estejam com dotação por aluno matriculado abaixo do mínimo.
A proposta do teto desindexa apenas as despesas de saúde e educação, deixando ainda vinculados gastos mais significativos, que são os benefícios previdenciários, os benefícios assistenciais (Loas/RMV), seguro-desemprego e abono salarial. Essas despesas, que representam muito mais da metade de todo o gasto obrigatório, variam de acordo com o aumento do salário mínimo.
É pouco crível, portanto, que o governo consiga manter as despesas no limite estabelecido pela PEC sem alterar essas vinculações. É compreensível que o ministro Henrique Meirelles não queira entrar nesta discussão, neste momento, pois o governo está envolvido em uma difícil negociação política em torno da reforma da Previdência Social, que certamente tratará dessa questão.
Há um aspecto a ser considerado. Pela legislação atual, o salário mínimo só terá aumento real a partir de 2019, mesmo assim se houver crescimento da economia no próximo ano. Assim, o mínimo terá apenas correção pela inflação e as despesas que são vinculadas a ele também. Elas se manterão, portanto, dentro da regra do teto até 2018. Em algum momento, porém, o governo terá que enfrentar este problema.
É pouco crível também a afirmação do ministro Meirelles, na entrevista coletiva de ontem, de que a melhoria da situação fiscal da União será garantida, no primeiro momento, apenas pela arrecadação que será obtida com a recuperação da economia. Por essa tese, aprovado o teto pelo Congresso, que manteria constante a despesa em termos reais, a saída do atual déficit primário nas contas para um superávit primário seria obtido apenas com a recuperação da receita.
As projeções feitas por vários economistas mostram que o teto para o gasto só garantirá que o governo federal volte a ter superávit primário em um período que vai de quatro a oito ano, dependendo da rapidez da retomada da economia e da sua intensidade. Isto significa que para obter superávit significativo a curto e médio prazo, Meirelles terá que propor aumento ou criação de tributo.
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