quinta-feira, 16 de junho de 2016

A interinidade e os vinte anos no poder - Maria Cristina Fernandes

• A roda da política sempre gira, sob delação ou arrocho

- Valor Econômico

O PSDB anunciou um projeto de poder de 20 anos, ficou oito. O PT fez o mesmo e não completará 14. Foi com ares de terceira via que o ministro da Fazenda, eleito pelo presidente interino, Michel Temer, como a cabeça dos quatro notáveis (Pedro Parente, Maria Silva Bastos e Ilan Goldfajn) que deveriam sobreviver a seu e a qualquer governo, anunciou o prazo de 20 anos que pretende impor ao teto do gasto público.

O Brasil, como se sabe, não cabe mais no PIB. Gastou-se muito na Chanel, em Atibaia, em gente viciada em comida, na bolsa-teimosia e na ração que mantém rosadas as bochechas do pato da Fiesp. Temer resolveu por um freio depois de aprovada meta fiscal gorda o suficiente para abrigar os acordos do impeachment. Renan foi o primeiro a denunciar a incongruência. Enquanto Meirelles garantia aos seus pares - e parecia convencê-los - de que já estava tudo provisionado, Renan pediu que fosse ao Senado explicar um reajuste salarial que, até 2018, vai consumir 40% do declarado buraco fiscal.


Esta semana, com Cunha a caminho do cadafalso, o presidente do Senado voltou a exibir-se no contraponto a Temer e a seu principal escudeiro. Ainda que cercado pela Lava-jato - e quem não está? - Renan acena para as bases parlamentares órfãs de Cunha que o Legislativo tem 500 anos de resistência a oferecer ao biênio de Temer e a quaisquer outros projetos engordados na interinidade deste governo.

O teto de gastos blindaria a credibilidade de Temer junto ao mercado, mas o presidente do Senado diz que um projeto desta envergadura deve aguardar a definição do impeachment no Senado. É seu jeito de lembrar que preside a Casa onde será definida a permanência do presidente interino. Na mesma tacada lembra aos homens das finanças que qualquer projeto do Executivo que chega ao Congresso, por mais que esteja revestido de tecnicalidades, é fruto de escolhas.

Incontinenti, dá sinal verde para o projeto que atualiza o Super Simples e deve implicar em renúncia fiscal de até R$ 1,8 bilhão. A ex-presidente afastada deu quase R$ 500 bi em desonerações e o desemprego no Brasil bateu o recorde da década, mas o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos pôs o jogo às claras: "Para quem está gastando R$ 50 bilhões com aumento de salários, isso é 'peanuts [amendoim]'".

Renan é o mais bem aparelhado parlamentar para arregimentar a força das bancadas do amendoim. De tão frio, chega a ser terno. Numa rara entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, lembrado dos vitupérios (gangster e cangaceiro) dirigidos por Delcídio Amaral, respondeu: " As agressões verbais do ex-senador são compreensíveis em razão do processo que ele passou e passa. Compreendo, entendo. A vida é assim".

Na tramitação da proposta de emenda constitucional dos limites fiscais, nem a força-tarefa de Curitiba será capaz de guarnecer a porteira das excepcionalidades. O ministro da Fazenda garantiu que a educação e a saúde não precisarão de lobistas, visto que terão seus gastos corrigidos pela inflação. Despreza o crescimento vegetativo da população ou vê na PEC uma alternativa eficiente ao controle de natalidade.

Haja visto o que aconteceu na madrugada de ontem com o projeto de lei da responsabilidade das estatais na Câmara, não vai faltar amendoim na capital federal. Depois do assalto à Petrobras, Renan e Cunha resolveram se juntar para apresentar minuta de um projeto que mudasse a governança das empresas públicas. A despeito do notório saber da dupla, o projeto despertou reações. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) assumiu a tarefa e apresentou um substitutivo por cujas porteiras nem Pedro Parente conseguiria passar. Foi obrigado a acolher 200 emendas antes de passar à Câmara.

Montado para cercear o PT e seus sindicalistas nas estatais, o projeto acabou limitando a desenvoltura dos aliados de Michel Temer. O presidente interino se valeu deste projeto para segurar as nomeações nas estatais, ressalvados aqueles que têm bolsa-amendoim, como o PSD, que emplacou os Correios. O freio de Temer acelerou a tramitação do projeto na Câmara.

Com o gargalo do Orçamento que a PEC de Meirelles ameaça estreitar, as estatais - "a maior fonte de recursos públicos", na definição do delator Sérgio Machado - se transformam, mais do que nunca, no último refúgio das esperanças parlamentares. Na madrugada de ontem o projeto passou com 28 exceções ao sistema que aproxima as estatais do regime diferenciado de contratações, instalado na Copa e disseminado na administração direta. Voltou ao Senado para se somar ao rol de projetos que tramitarão sob os auspícios de Renan Calheiros.

Ao explicar sozinho, durante uma hora e meia, os detalhes de sua PEC, num dia tomado pela abertura do sigilo da delação de Sérgio Machado e pelas especulações de que Eduardo Cunha seria o próximo, Henrique Meirelles parecia uma ilha de serenidade. Talvez pela intimidade com a turbulência. No período em que Temer aparece na delação do ex-presidente da Transpetro, o ministro estava do outro lado do mesmo balcão. Presidia o conselho de administração do J&F, holding que engloba a JBS, cujas doações ao PMDB do Senado teriam levado Temer, segundo o delator, a reassumir a presidência do partido para melhor controlar a pastagem.

A proposta de Meirelles é uma guilhotina nos gastos sociais e na folha de pagamentos da União, mas está inteiramente nas mãos do Congresso. Pode vir a ser aprovada desde que se negociem as mínimas condições de sobrevivência dos grupos políticos mais bem postos. Nenhum parlamentar chega a Brasília sem um grupo político que o sustente no Estado. Ainda que estejam todos sob a mira da Lava-jato, é a sobrevivência dessas máquinas locais de poder e voto que está em jogo.

As notícias de que o governo retoma as concessões - com empresas que não estão na Lava-jato - demonstram que o presidente interino já atravessa ponte para 2018. Uma das primeiras grandes obras a ser liberada por Temer (hidrovia do rio Tocantins) é do Estado natal do voto surpresa (Wladimir Costa) no Conselho de Ética pela cassação de Cunha e de um parlamentar que faltou à admissibilidade do impeachment no Senado (Jader Barbalho). É um sinal de que a roda da política sempre gira sob delação ou arrocho.

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