quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Conselho de Ética cumpriu sua função – Editorial / O Estado de S. Paulo

Do mesmo modo como está acontecendo com Dilma Rousseff, para cujo processo de impeachment deu uma colaboração importante como presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha está perto de perder seu mandato. Foi condenado no Conselho de Ética daquela Casa do Parlamento não apenas por ter mentido a seus pares sobre suas contas na Suíça – acusação formal objeto do processo votado no Conselho –, mas pelo conjunto da obra que com enorme desfaçatez vinha perpetrando no comando do cargo do qual está afastado por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF).

Cunha mentiu quando, com a falta de pudor com que costuma agir, compareceu espontaneamente à extinta CPI da Petrobrás para afirmar, usando artifícios técnicos, que não tinha, nem nunca tivera, contas bancárias que não aquelas declaradas à Receita Federal. Os fatos fartamente comprovados pelas investigações da própria Receita, do Banco Central e do governo suíço desmentiram a farsa. Mas, além de prestar um depoimento mentiroso a seus pares, Cunha está envolvido até o pescoço, entre outras falcatruas, com o propinoduto da Petrobrás, que lhe rendeu milhões de dólares, parte deles relativa à compra pela estatal de um campo de petróleo no Benin. Trata-se, portanto, de um político inescrupuloso cujo histórico de denúncias por malversação de recursos públicos remonta aos primórdios de sua carreira política, quando, no início dos anos 90, assumiu a presidência da Telerj, no Rio de Janeiro.


Unindo a falta de escrúpulos com grande conhecimento do Regimento Interno da Câmara e de suas possibilidades, e tendo reunido em seu entorno aliados fidelíssimos por serem beneficiários de vantagens, inclusive financeiras, que com sua influência lhes propiciava, Cunha acumulou um poder sem precedentes no comando de uma Casa do Parlamento. Enfrentado pela presidente Dilma Rousseff, pôs de joelhos seu governo. Entre outras façanhas, arrastou por oito meses, prazo inédito, o processo que finalmente chegou a seu termo no Conselho de Ética.

A enorme e indisfarçável desfaçatez de Eduardo Cunha transformou-o no político com o maior índice de rejeição popular do País, maior ainda do que os dois terços de brasileiros que são a favor do impeachment de Dilma Rousseff. E sua imagem tem piorado na medida em que se acumulam notícias e denúncias da ostentação de riqueza que ele e a mulher, a ex-jornalista Claudia Cruz, exibem em lojas sofisticadas e restaurantes finos do Primeiro Mundo. Um verdadeiro escárnio quando se trata do presidente da casa de representação popular de um país mergulhado em profunda crise econômica, com mais de 11 milhões de desempregados como resultado da carência geral de recursos, públicos e privados, para investimento em atividades produtivas. E quando se sabe que tais dinheiros não tiveram origem honesta.

Esse é, num rápido resumo, o conjunto da obra de Eduardo Cunha, que finalmente está prestes a ser dada como concluída, com a inevitável cassação de seu mandato pelo plenário da Câmara dos Deputados. Afinal, até mesmo muitos daqueles parlamentares que até agora se submetiam dócil e obedientemente ao comando de Cunha não terão pejo de condená-lo para fazer boa figura ao declarar seus votos diante das câmeras de televisão. A partir daí, Eduardo Cunha, sem a imunidade e o foro privilegiado que o mandato de deputado lhe garante, terá que haver-se com a Justiça, onde já o aguardam vários inquéritos. Tal qual dezenas de homens públicos e empresários condenados por corrupção e crimes correlatos, Eduardo Cunha pode se preparar para a possibilidade cada vez mais próxima de curtir atrás das grades as consequências de ser menos poderoso do que imaginava quanto mais arrogante do que recomendava a prudência. Depois do tombo, certamente virá o coice.

A decisão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que traçou o destino de Eduardo Cunha oferece aos maus políticos uma lição e aos brasileiros uma esperança. A lição – que serve também para Dilma Rousseff – é de que já não há mais, como antigamente, poderosos que possam confiar na impunidade. A esperança é de que as instituições democráticas e os instrumentos do Estado Democrático de Direito garantam a igualdade de todos perante a lei.

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