Por Murillo Camarotto e Eduardo Campos – Valor Econômico
BRASÍLIA - Diante de uma extensa lista de irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu ontem um prazo de 30 dias para que a presidente afastada, Dilma Rousseff, defenda a contabilidade do seu governo no exercício de 2015. O parecer prévio do TCU, elaborado pela Secretaria de Macroavaliação Governamental, mostra que Dilma repetiu no ano passado práticas que resultaram na reprovação das contas de 2014 - decisão que está nas origens do processo de impeachment.
Como a presidente afastada ainda vai apresentar seus argumentos, o tribunal preferiu não comparar os números de 2014 e 2015, mas os dados preliminares apontam que os valores envolvidos nas irregularidades cresceram muito de um ano para o outro. Os técnicos do TCU usam como referência para o ano passado uma cifra que pode chegar a R$ 260 bilhões, mais que o dobro dos valores movimentados em 2014.
Apesar de ainda não haver decisão - o que deve acontecer em meados de setembro -, o sentimento no tribunal é de que o relatório preliminar acabará sendo utilizado no processo de impeachment de Dilma no Senado. Isso porque o afastamento da presidente está juridicamente amparado no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) durante o exercício de 2015.
Entre as irregularidades identificadas está a continuidade dos atrasos nos pagamentos devidos pelo Tesouro Nacional a bancos públicos, as já consagradas "pedaladas" fiscais. De acordo com o TCU, o governo deu calotes no Banco do Brasil e no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Assim como aconteceu em 2014, o Tesouro deixou de repassar às duas instituições bilhões de reais relativos à equalização de taxas de juros no âmbito do Plano Safra e do Programa de Sustentação do Investimento. "Verificou-se que, em 2015, a União incorreu em novas operações de crédito aparentemente irregulares com instituições controladas, reproduzindo o padrão de 2014", afirmou o relatório.
De acordo com o TCU, o Tesouro deveria ter pago R$ 8,3 bilhões ao Banco do Brasil no dia 2 de janeiro do ano passado, o que não ocorreu, "caracterizando a realização de uma nova operação de crédito da União junto ao banco". O mesmo aconteceu com o BNDES, que deveria ter recebido R$ 20 bilhões no primeiro dia útil de 2015, mas levou calote.
Em dezembro do ano passado, mais de dois meses após a rejeição das contas de 2014 pelo TCU, o governo gastou R$ 74,1 bilhões para zerar os passivos com os bancos públicos. Essa operação, no entanto, também é questionada pelo tribunal de contas, que alega que os pagamentos não foram registrados como quitação de dívida de operação de crédito, mas como se fossem despesas de subvenção econômica.
"Ao efetuar o pagamento de passivos vencidos (operações de crédito) como se fossem despesas de subvenções do exercício corrente, o montante executado das despesas de subvenções se apresentou, de forma artificial, maior que o valor efetivamente destinado a esse tipo de despesa", explicaram os técnicos do TCU.
Além disso, os auditores sustentam que o pagamento foi feito sem autorização específica na Lei Orçamentária Anual (LOA), o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. "O pagamento de tais valores deveria ter sido precedido do reconhecimento da dívida e de autorização orçamentária", destaca o relatório técnico.
O TCU também incluiu no rol das irregularidades de 2015 os decretos de suplementação orçamentária, pelos quais o governo abriu créditos sem autorização do Legislativo. Essa prática também baseia juridicamente o processo de impeachment de Dilma.
Outra possível ilegalidade corresponde à utilização de recursos vinculados, provenientes do superávit financeiro de 2014. Esse dinheiro é depositado na Conta Única do Tesouro e só pode ser usado em situações especificadas em lei, como despesas de saúde e educação. O governo, porém, usou medidas provisórias para desvincular essas receitas, "de modo aparentemente indevido", e quitar as "pedaladas" fiscais.
"Dessa forma, considerando que a referida medida provisória não teria o condão de desvincular fontes de recursos, estes não poderiam ter sido utilizados para fins diversos daqueles definidos em suas respectivas leis específicas", afirma o relatório do TCU, apontando novo descumprimento da LRF pelo governo.
O documento também trouxe novidades em relação a 2014, como uma suposta irregularidade envolvendo a Infraero. A empresa estaria utilizando ilegalmente recursos provenientes de taxas aeroportuárias que deveriam ser transferidas ao Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac). Há ainda suspeitas do TCU sobre o Banco da Amazônia. A instituição teria sido autorizada pelo Banco Central a aumentar o capital em uma operação irregular.
Relator das contas de 2015, o ministro José Múcio fez duras críticas à condução da economia no governo Dilma, mas preferiu a cautela ao tratar do julgamento. Apesar disso, o conjunto de irregularidades sinaliza mais uma rejeição das contabilidade presidencial - situação raríssima até pouco tempo atrás, mas que começa a se mostrar rotineira.
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