- O Estado de S. Paulo
• Ela implica não só a perda do cargo, mas a inabilitação temporária para função pública
A Constituição federal estabelece que, na hipótese de condenação do presidente da República no julgamento de impeachment pelo Senado Federal, a sanção deverá ser “a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” (artigo 52, parágrafo único). E a Constituição deve ser cumprida.
Aliás, a Constituição dos Estados Unidos – na qual o regime presidencialista no Brasil se inspirou desde o início da República – estabelece igualmente como consequência da condenação do presidente no julgamento do impeachment pelo Senado “removal from Office, and disqualification to hold and enjoy any Office of honor, Trust or Profit under the United States (...)” (US Constitution, Article 1, Section 3).
A sanção constitucional do impeachment é inerente à responsabilidade política do presidente pelos atos atentatórios à Constituição e às leis do País – crimes de responsabilidade –, o que implica não apenas a perda do cargo, mas também a inabilitação temporária para o exercício de função pública, pois, na verdade, foi julgado irresponsável e incapaz de exercer o cargo de presidente.
Seria absoluto contrassenso admitir seu retorno de imediato a mandato eletivo ou a função com dimensão política – como ministro de Estado, secretário de Estado, etc. – logo após a condenação.
Por outro lado, o julgamento do mérito do impeachment pelo Senado – insuscetível de judicialização, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Suprema Corte dos Estados Unidos – evidentemente se refere à apuração dos fatos objeto da acusação – admitida pela Câmara dos Deputados –, à avaliação das provas e à verificação da ocorrência ou não de crimes de responsabilidade, como previstos na Constituição da República e na lei especial. A decisão definitiva de mérito do Senado pela condenação ou absolvição – esta, sim, é que é insuscetível de controle judicial – e, na hipótese de condenação, a sanção constitucional do impeachment devem ser aplicadas na sua plenitude e inteireza.
Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nos Mandados de Segurança 23.885-DF e 20.941-DF – relatores, respectivamente, os ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence –, relativos ao impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, o STF decidiu que “(...) a instauração e decisão final são decisões de natureza predominantemente política – cujo mérito é insuscetível de controle judicial (...)”. E no Mandado de Segurança 34.193-DF, relativo ao processo de impeachment recentemente julgado pelo Senado, observou o relator, ministro Teori Zavascki: “(...) não há base constitucional para qualquer intervenção do Poder Judiciário que, direta ou indiretamente, importe juízo de mérito sobre a ocorrência ou não dos fatos ou sobre a procedência ou não da acusação (...)”.
Assim é que o Supremo Tribunal Federal – por ampla maioria: dez votos a um – reconheceu a sua jurisdição constitucional para julgar o Mandado de Segurança 21.689-DF, de que foi relator o ministro Carlos Velloso, impetrado pelo já então ex-presidente Collor, logo após sua condenação pelo Senado, visando a invalidar sua inabilitação para função pública por oito anos. Collor alegara, em síntese, que o processo de impeachment estaria prejudicado em razão de sua renúncia. A questão relativa à sanção constitucional do impeachment na sua plenitude, portanto, foi reconhecida como questão jurídica suscetível de controle judicial pelo Supremo Tribunal Federal, coerente com sua jurisprudência sobre o mérito do impeachment. Como observou o ministro Sepúlveda Pertence: “É verdade que, no caso presente, ataca-se a sentença definitiva do processo, em princípio imune à apreciação do Judiciário. Mas, não se lhe ataca o mérito”. E o ministro Celso de Mello asseverou que a jurisprudência do STF “jamais tolerou que a invocação do caráter político das resoluções tomadas pelas Casas Legislativas pudesse configurar (...) manto protetor de comportamentos abusivos ou arbitrários, praticados à margem da Constituição”.
O mandado de segurança foi denegado, por maioria: sete votos a quatro. O ministro Carlos Velloso ponderou que “ambas as penas deverão ser aplicadas em razão da condenação”. Invocou monografia da professora Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, na qual esta afirmou: “(...) a Constituição cuidou de não apenas afastar o agente do cargo (o que não teria exequibilidade com sua anterior renúncia), mas, ainda, preocupou-se em não permitir que o poder público, por qualquer de suas funções, pudesse vir a ser, pelo período de oito anos subsequentes à condenação, tangível à mão daquele que destratou a República, lesou a ordem jurídica e afrontou o povo do Estado brasileiro”.
O ministro Sepúlveda Pertence observou que, desde a Constituição de 1934, a redação do texto constitucional tornou “imperativa a cumulação de ambas as sanções”. Mencionou, como “irretocável”, no ponto, trecho do livro Elementos de Direito Constitucional, de Michel Temer, hoje presidente da República, que diz: “A inabilitação para o exercício de função pública não decorre da perda do cargo, como à primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilização. Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal”.
E, finalmente, ponderou o ministro Celso de Mello, hoje decano da Corte: “(...) há uma única sanção constitucionalmente estabelecida, que compreende, na abrangência do seu conteúdo, a destituição do cargo com a inabilitação temporária. A unidade constitucional da sanção prevista torna-a indecomponível, incindível, impedindo, dessa forma, que se dispense tratamento jurídico autônomo às projeções punitivas que dimanam da condenação senatorial”.
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*GERALDO BRINDEIRO É DOUTOR EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE YALE, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB) E FOI PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (1995-2003)
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