Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - A segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) acolheu nesta terça-feira a denúncia contra a senadora Gleisi Hoffmann e o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo. Com isso, o casal se tornou réu em uma ação penal na corte.
Votaram em favor do acolhimento da denúncia os cinco ministros do colegiado: Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
A acusação é que a campanha de Gleisi ao Senado, em 2010, teria recebido R$ 1 milhão do esquema de corrupção da Petrobras. Os repasses, de acordo com a investigação, foram solicitados por Paulo Bernardo.
Eles foram denunciados pela PGR (Procuradoria-geral da República) em maio deste ano.
A turma também aceitou denúncia contra Ernesto Krugler Rodrigues, empresário que teria participado da operação de repasses à campanha. Os três responderão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Para Teori Zavascki, o casal se beneficiou do que classificou como "corrupção sistêmica" na Petrobras.
"Nesse contexto de corrupção sistêmica dentro da Petrobras, a denúncia apontou que Paulo Bernardo, em função do cargo de ministro do Planejamento, usando sua posição de destaque no governo federal, pediu R$ 1 milhão a Paulo Roberto Costa para financiar a campanha de sua mulher, Gleisi Hoffmann", afirmou, em seu voto.
Teori também ressaltou que a decisão não se baseia exclusivamente em delações. "Cabe ressalta que, ao contrário do que sustentam as defesas, a denúncia não está amparada apenas em depoimentos prestados em colaboração premiada. Há outros inúmeros indícios que reforçam as declarações prestadas por colaboradores, tais como registros telefônicos, depoimentos, informações policiais e documentos apreendidos, o que basta neste momento de cognição sumária, em que não se exige juízo de certeza acerca de culpa".
"A descrição fática da denúncia, aliada aos indícios descritos, revelam nessa fase, em que não se exige juízo de defesa, material necessário ao recebimento da denúncia", concluiu o relator.
Gleisi é uma das principais lideranças do PT no Senado. Ela foi chefe da Casa Civil no governo da ex-presidente Dilma Rousseff entre junho de 2011, quando Antonio Palocci deixou o cargo, e fevereiro de 2014. Deixou o posto para concorrer ao governo do Paraná e ficou em 3º lugar na disputa.
Já o marido ocupou cargos importantes da Esplanada durante a gestão de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Comandou o Ministério do Planejamento entre 2005 e 2011, quando assumiu a pasta da Comunicações, onde permaneceu até 2015.
Repasses
A participação da senadora e do ex-ministro no esquema foi apontada pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef, em seus acordos de colaboração premiada.
A acusação da Procuradoria surgiu após os depoimentos do advogado Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccin, outro delator da Lava Jato e que confirmou os repasses.
Segundo Pieruccini, em 2010, ele foi orientado por Youssef a fazer quatro viagens de São Paulo a Curitiba (PR) para entregar dinheiro à campanha de Gleisi, ex-ministra da Casa Civil (2011-2014).
Ele contou ter ouvido do doleiro que os valores "tinham sido acertados com Paulo Bernardo", marido de Gleisi e ex-ministro do Planejamento (2005-2011) e das Comunicações (2011-2015), e se destinavam à campanha eleitoral da concorrente a uma cadeira no Senado.
Pieruccini disse que os pagamentos ocorreram em uma sala no PolloShop, localizado na rua Camões, em Curitiba, pertencente ao empresário Ernesto Kugler Rodrigues. Pieruccini, conforme o depoimento, levou uma caixa lacrada com a inscrição "P.B./Gleisi".
Na sua frente, segundo o advogado, Kugler contou as notas, em um total de R$ 250 mil, mas fez duas reclamações: o primeiro valor "não dava nem para o cheiro" e a etiqueta da caixa não deveria mais aparecer nas próximas entregas -houve mais três, de mesmo valor, de acordo com ele.
A Polícia Federal indiciou Gleisi em abril deste ano, mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF para anular o ato.
Ele alega que, em 2007, o Supremo proibiu a PF de fazer, por conta própria, o indiciamento de autoridades com foro privilegiado, como o presidente da República, ministros de Estado, senadores e deputados.
Prisão
Paulo Bernardo chegou a ser preso pela Polícia Federal em maio, durante a Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato.
A ação mirava em um esquema de pagamento de propina em contratos de prestação de serviços de informática ao Ministério do Planejamento, pasta que foi comandada pelo petista.
O ex-ministro é suspeito de ter recebido cerca de R$ 7 milhões em suborno, pagos por meio de um escritório de advocacia ligado a ele.
Defesa
O advogado de Glesi, Rodrigo Mudrovitch afirmou que há uma série de contradições nas informações prestadas por Youssef e Paulo Roberto Costa e que outras testemunhas negaram as acusações feitas pelos delatores.
Ele disse ainda que a PGR não individualizou a conduta de sua cliente, segundo Mudrovicht, exigência fundamental para denunciá-la.
"Esse caso realmente não possui qualquer amparo probatório mínimo. Foi feito uso desmedido, desregrado e pouco cauteloso da delação. Tivesse havido cautela maior nos acordos (de delação), não teríamos essa acusação", disse.
Representante de Paulo Bernardo, a advogada Verônica Sterman disse que, ao contrário do que sustenta a PGR, nenhum dos personagens que delataram o casal disse que o ex-ministro atuou pela manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria da Petrobras.
"Se Paulo Bernardo não falou com um nem com outro, como pode a PGR denunciá-lo por corrupção?", questionou Verônica.
José Carlos Garcia, que advoga para Ernesto Rodrigues, defendeu que o caso de seu cliente deveria correr na primeira instância.
"Não há descrição de participação do fato do autor. Não traz uma linha no sentido de dizer que interferiu no recebimento de propinas na Petrobras", acrescentou.
Gleisi se manifesta
Após acompanhar o julgamento de seu gabinete no Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) disse ter ficado "triste" com o recebimento da denúncia, mas afirmou que, pela primeira vez desde o início das investigações, foi dado a ela o "benefício da dúvida".
"O voto do relator coloca que não tem certeza dos fatos ocorridos. Portanto, me dá o benefício da dúvida, coisa que não tive até agora", disse a senadora que continuou: "A peça apresentada pela PGR [Procuradoria Geral da República] é muito adjetivada, muito ruim, que 'força muito a mão' para tentar justificar o pedido de denúncia e, por mais que a gente tenha tentado falar sobre ela, não conseguimos esclarecer".
Negando ter recebido qualquer valor ilícito, Gleisi criticou ainda o fato de, segundo ela, a acusação ser baseada apenas em delações premiadas.
"O Alberto Youseff afirmou que o Paulo Roberto teria pedido a ele. O Paulo Roberto afirma que não pediu. No fim do processo, depois da sexta versão dada pelo Alberto, o sócio dele aparece dizendo que ele tinha entregue o dinheiro. Tanto o empresário para quem ele afirma que entregou nega, como eu. Eu não recebi esse dinheiro, não conheço esses personagens, e nunca estive com Paulo Roberto Costa".
Na avaliação da senadora, que voltou a diz que a operação Lava Jato está "politizada", o momento político do país contribuiu para a aceitação da denúncia contra ela e seu marido.
"Acho que o momento que estamos vivendo levou o Supremo a abrir, na dúvida, o processo para investigar. Está politizado o processo da Lava Jato e está tudo mundo muito pressionado pela própria sociedade. Tudo mundo tem muito medo de errar. Pode ser que acabe exacerbando para outro lado".
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