quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Espaço aberto para a redução da taxa de juros – Editorial / Valor Econômico

O Banco Central deu sinais claros de que está aberto o espaço para que os juros comecem a cair. O Relatório de Inflação apontou que a inflação está abaixo da meta de 4,5% (4,4%) no último trimestre de 2017 em seu cenário de referência. Em dois outros cenários - o BC desta vez apresentou quatro - o IPCA atinge 4,5% e 4,8%. O cenário de mercado, porém, é o que mais se distancia dos outros, com inflação de 4,9% ao fim do ano que vem e 4,6% no último trimestre de 2018. O relatório relaciona incertezas sobre o futuro, sugerindo que se o início de um ciclo de alívio monetário pode começar em breve, isso deverá ser feito com comedimento.

Se o BC mantiver os juros de 14,25% e o câmbio a R$ 3,30 por dólar, a inflação estimada cai a 4,2% no primeiro trimestre de 2018. E mesmo considerando os outros cenários, uma distensão nos juros não é descartada. "Mesmo sob condições apropriadas de política monetária", sublinha o documento, "a inflação realizada oscila em torno da meta". O movimento de convergência da inflação para a meta dá alguma segurança para o BC diminuir a taxa Selic, embora isso exija cautela, entre outros motivos, pelos desvios recentes na trajetória do nível de preços.

O IPCA no trimestre findo em agosto foi 0,48 ponto percentual superior ao previsto pelo Copom. Ele foi empurrado principalmente, mas não apenas, por aumentos nos alimentos. A aposta é que choques localizados nesse setor - cujos preços avançaram 16,9% em doze meses findos em agosto - estão se dissipando. A dúvida é se seus efeitos secundários, particularmente no setor de serviços, tendem ou não à desinflação e com que intensidade.

Não é possível ainda responder afirmativamente no caso. "Há incertezas sobre se a desaceleração recente observada em alguns preços de serviços representa desinflação que deverá se disseminar pelos demais preços do setor ou se decorre de ajuste de preços relativos", aponta o relatório. Ao longo do texto, o BC ressalta que a velocidade do processo desinflacionário "permanece incerta".

Das três condições que o BC apontou para guiar os próximos passos da política monetária, ele estima que houve progressos em todas. Mas esses progressos não são por si só suficientes para o BC já partir para uma política agressiva de redução dos juros. A rapidez da queda da inflação, por exemplo, é uma incógnita. O arrefecimento dos preços dos alimentos já se delineou com clareza, com reduções importantes no atacado que repercutirão no varejo, mas repiques são sempre possíveis. E o BC vê agora "sinais positivos" a respeito das reformas fiscais, embora ressalvando que o "processo de tramitação ainda está no início e as incertezas quanto à aprovação e à implementação dos ajustes necessários permanecem". Nessa área, porém, a rigor não houve novidades e o Congresso, na melhor das hipóteses, começará a votar a PEC do teto de gastos em outubro e a reforma da Previdência no ano que vem.

Com que rapidez os juros podem cair é questão em aberto. Uma enorme recessão em por dois anos e taxa de juros alta proporcionaram um recuo da inflação de 10,71% para 7,3% (fim de 2016), com queda de 3,4 pontos percentuais. Resta um caminho de 2,8 pontos percentuais em outro cenário, o de recuperação, ainda que modesta, de 1,3% em 2017, segundo o BC.

Há argumentos no relatório que justificariam um corte mais forte dos juros. O nível de utilização da capacidade industrial é baixo, de 74%, e a capacidade de reação expressiva do consumo das famílias é improvável. O BC estima que o consumo das famílias impulsionará em 0,8% o PIB de 2017, e o consumo do governo, em 0,5%. Os investimentos devem avançar 4%. O setor externo pesará negativamente, com 0,3 ponto percentual. A contribuição da demanda doméstica será de 1,6 ponto.

Há, porém, fatores importantes que recomendam moderação. A inflação permaneceu fora da meta por tempo demais, reavivando mecanismos inerciais que tornam o combate a ela mais custoso e lento. Há um "interregno benigno" no cenário externo, que pode não durar muito. E a reforma fiscal não será só parceiro vital da política monetária, mas também um divisor de águas para o governo Temer. Sua aprovação será alavanca para o crescimento e sinal para redução mais rápida dos juros. Uma derrota, ou vitória pela metade, complicará os cenários do BC, rebaixará as expectativas e colocará em xeque a recuperação da economia e a força política do Planalto.

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